Há quem nos procure para dizer das cores uma linguagem surreal, uma espécie de metamorfose, de encantamento. Nesse sentido, somos público indefinido, mas capaz de sair de casa mesmo que desencontrados do reconhecimento artístico de alguém que nos surpreende de mistério surreal ou realidade.
A Fundação Cupertino de Miranda tem no seu espaço em Famalicão uma exposição “Sonhos e Metamorfoses: O Surrealismo de Paula Rego”, onde pode admirar, até 4 de Janeiro de 2026, pinturas representativas de várias fases da carreira da artista, centrada no surrealismo.
O universo imagético de Paula Rego (1935-2022) deu os primeiros voos com uma linguagem figurativa inspirada na infância e no país natal. O caminho da fantasia sempre ocupou o espaço criativo da artista. O interesse precoce pelo surrealismo, justifica-se pela forma de expressão muito semelhante à sua imagética pessoal: “Havia livros de arte em casa. Meu pai dava-me livros depois de ver que era isso que me interessava. Quando tinha 14 anos, comprou-me um livro sobre Dadá e Surrealismo. Era como um livro de histórias; simplesmente maravilhoso estar a ver aquelas ilustrações. Revelação, não posso dizer que fosse, pois para mim era exactamente como um livro de contos de fadas. Não me deu surpresas. Eu estava habituada a imagens daquelas”.
Quando encontramos alguém que nos diz que “a exposição apresenta obras com temáticas e métodos próximos do surrealismo, como as ‘pinturas-colagem’ dos anos 1960 e figuras oníricas que evocam sonhos e encantamento”, percebemos que é um convite ao nosso olhar, à nossa capacidade de interpretar porque “nelas, criaturas fantásticas surgem em cenários de poder, sedução e mistério, remetendo ao amor, ao medo e ao inexplicável. A metamorfose é central no seu processo criativo, enquanto metáfora da própria criação artística”.
Sabemos do belo, sem saber como musicar a intenção, o texto de cores que nos apresenta, a negritude, o espanto, o fantástico ou a generosidade de nos entendermos, porque a “construção das imagens obedece a um impulso que é próprio dos sonhos, num jogo constante de dissimulação e revelação. Também as criaturas fantásticas que povoam algumas das obras apresentadas e o modo como interagem remetem para um universo onírico, um mundo de sonhos de magnético encantamento para onde somos irremediavelmente puxados. O onírico, o maravilhoso, o enigmático e o misterioso estão sempre presentes quando configura situações de encantamento. Estas podem ser definidas como imagens daquilo que não pode ser explicado em termos naturalísticos e surgem quando a artista trata temas como o amor, o medo e os mistérios”.
É neste contexto de encantamento que surgem os animais humanizados que convivem nas suas obras, colocados em situações de poder e de sedução, assumindo a forma de criaturas benignas e, outras vezes, assustadoras. A ideia da metamorfose serve-lhe, de igual modo, enquanto analogia para a criação artística: “Todo o meu trabalho tem que ver com metamorfose. Ela surge na própria criação física do quadro, na tentativa e erro do trabalho.”
A Curadoria da Exposição é da responsabilidade de: Catarina Alfaro, Marlene Oliveira e Perfecto E. Cuadrado.
Por: José Peixoto