Voz da Póvoa
 
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Sereias de Corpo Inteiro

Sereias de Corpo Inteiro

Cultura | 11 Março 2020

António Pedro Ribeiro nasceu em Maio de 1968, no Porto, mas conta toda uma vida em Vilar do Pinheiro, Vila do Conde. Sociólogo, cronista e poeta. Publicou 15 livros, entre os quais, “À Mesa do Homem Só”, “Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro” ou a antologia de poemas “Dez Pés Abaixo do Mundo”. Recentemente apresentou o livro “Crónicas de Iluminação e Rebeldia” e “O País a Arder”, primeiro CD da Banda Sereias, onde empresta a voz à guitarra de Sérgio Rocha, ao saxofone de Julius Gabriel, ao sintetizador de Nils Meisel, ao baixo de Tommy Luther e à bateria de João Pires.

A Voz da Póvoa – Um livro de crónicas é sempre uma forma de recordar ou actualizar?

António Pedro Ribeiro – Uma parte destas crónicas já estavam escritas há cinco ou seis anos. Pensava que as tinha perdido porque o computador tinha avariado. Felizmente encontrei-as no arquivo e penso que mantêm a actualidade. Penso que nos últimos anos tenho escrito mais crónicas do que poesia, se bem que crónica não seja a classificação mais exacta. Por vezes, são mais textos sociológicos, filosóficos ou mesmo com algum tom profético. Posso estar a ser tão vaidoso, mas julgo que chamam à reflexão.

AVP – Mais do que ser actual, pretende ir mais longe do que a própria actualidade?

APR – As crónicas agora publicadas falam de uma sociedade que está podre, de um capitalismo inimigo do amor e da vida. Há um estado de caos, de apocalipse, que penso estar instalado com estes líderes que temos, como o Trump, o Bolsonaro, e até com os moderados, como o Macron, a Merkel ou o António Costa. Todos eles são capitalistas, todos nos querem roubar a vida ou contribuem para uma vida de tédio. Todos eles fazem um Big Brother de dominação da vida pelos computadores, pela internet ou por programas de televisão patetas. As pessoas levam uma vida perfeitamente imbecil, ligada ao telemóvel, como se a vida estivesse lá dentro. As pessoas são reduzidas a objectos e mercadorias, tudo é finança e economia, os sentimentos são secundarizados.

AVP – Depois de quinze livros editados, alguma vez parou para os repensar?

APR – Tenho feito essa reflexão, mesmo em texto. Já fiz as minhas asneiras. Tive que as fazer, não me arrependo delas. Também tive um percurso político e não me arrependo dele. Tenho um percurso literário e agora musical com as Sereias, mas já tive outros projectos musicais antes. Penso que estou a atingir um certo reconhecimento que não tinha antes e isso deixa-me com alguma satisfação. Apesar do mundo de merda que nos oferecem, vou-me sentindo bem comigo próprio.

AVP – A música exige mais disciplina que a escrita?

APR – A banda trabalha poemas meus, ou seja, as letras, se quisermos falar em termos de canção. No disco há três músicas instrumentais. Claro que temos que ter ensaios para apresentar nos concertos trabalho de casa e muita inquietação. Tudo obriga a outra disciplina, mas ao mesmo tempo é uma banda que tem um certo caos na sua génese e permite muita liberdade na sua criação. Os temas nunca são tocados da mesma maneira e os ensaios, tal como no palco, são feitos de muita liberdade, improvisação, inspiração e isso agrada-me. De uma maneira geral os espectáculos têm corrido bem.

AVP – Depois do livro, o país começou a arder com a banda Sereias?

APR – A banda Sereias existe há cerca de dois anos e meio. A ideia partiu do baterista João Pires e do baixista Tommy. Depois reunimos uma série de elementos e fizemos uma espécie de Jams. Houve elementos que foram entrando e saindo. As coisas foram crescendo nos ensaios e surgiu a ideia de gravar um disco, que aconteceu em Braga, nos estúdios que pertencem ao Teatro Circo. A gravação aconteceu numa só tarde. Depois foram feitas as remasterizações todas. Foi apresentado a 29 de Novembro no Understage do Rivoli, no Porto.

AVP – A poesia vai no sentido de usar mais a cabeça e menos a distracção?

APR – Faço o que posso. Não sou o super-homem nem nenhum mágico. Tento dar o meu contributo no sentido de despertar as pessoas para a realidade do deus-dinheiro. Desse capitalismo completamente predador, da podridão de enriquecer a qualquer preço, mas a culpa não é só dos capitalistas sem escrúpulos ou dos políticos, as pessoas também têm culpa. Estão em luta diária pelo emprego, pelo dinheiro, pela carreira. São macacos que trepam por cima dos outros, como dizia o Nietzsche.

AVP – A tua escrita está sempre apontada à inquietação do mundo?

APR – Ao contrário do que as pessoas pensam, não procuro só assuntos políticos, também escrevo muito sobre as mulheres, os afectos ou sobre assuntos filosóficos. Escrevo sobre muita coisa. Qualquer assunto que me vem à cabeça é por vezes fruto de um carro que passa, uma árvore desprezada, um pássaro que canta, uma pessoa que chora. No ano passado estive doente e escrevi muito sobre a natureza, sobre os pássaros, os cães e os gatos. Ainda há muito arquivo nas gavetas para editar.

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