O contrário também acontece. No palco uma mesa, uma cadeira e Rui Vieira Nery sentado enquanto as pessoas iam entrando na sala principal do Cine-Teatro Garrett dirigindo-se aos seus lugares.
O musicólogo que pela 27ª vez, em 46 edições do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim (FIMPV), foi o responsável pela conferência de abertura, no dia 11 de Julho, desta vez com o tema “Um Século de Canções da Liberdade”.
“Achei que valia a pena conversarmos sobre aquilo que foi, de certa forma, a banda sonora de décadas sucessivas de luta pela liberdade em Portugal”, referiu Rui Vieira Nery que nos situou em cada momento da história, tendo mesmo recuado mais de um século, ‘A Marselhesa’ escrita em 1792 pelo compositor, poeta e dramaturgo Claude Joseph Rouget de Lisle, que inaugurou as canções de resistência e de liberdade.
Depois, foram as músicas do século XX que falaram e lutaram pela liberdade e que o musicólogo tentou relacionar “com a realidade portuguesa, fundamentalmente, mas também pôr essas músicas num contexto internacional, Portugal não é uma ilha, tem especificidades, mas fez sempre parte de um movimento mais amplo das civilizações e culturas ocidentais. Portanto, muita desta problemática da luta contra a opressão, contra a tirania, da luta contra a injustiça, contra a exclusão e das cantigas que deram alma a essa resistência, por vezes em circunstâncias muito difíceis, muito duras, de repressão, esse fenómeno português fez parte de um todo”. A razão não tem nacionalidade é uma luta da humanidade.
E se durante a I República, nos palcos dos teatros, as peças de Revista revisitavam a crítica política e social, também os fados corrido e mouraria cultivavam nas suas letras o mesmo paradigma revolucionário.
Rui Vieira Nery foi desmultiplicando palavras com pequenos trechos de músicas e canções que nos faziam reviver ou imaginar um tempo ausente ou nem por isso. A Oposição Democrática nas eleições parlamentares de 1945 ou nas presidenciais de 1949 e 1958 com o General Humberto Delgado à cabeça, trouxe à memória as “Canções Heróicas” de Fernando Lopes-Graça, com letras recolhidas nos poetas Neo-Realistas. Este enorme compositor, um acérrimo antifascista, viu sistematicamente os seus livros proibidos e recolhidos pelo Estado Novo.
Próximas da memória da plateia chegaram a guerra do ultramar, as tentativas de golpe, o desvio do paquete Santamaria, a emigração em massa nos anos 60, as lutas académicas, as tentativas de golpe, o 25 de Abril de 1974, os nomes, os discos, as histórias feitas canção ou canções históricas de José Afonso, José Mário Branco, Fausto Bordalo Pinheiro ou Sérgio Godinho, único sobrevivente deste inigualável quarteto de músicos feitos de liberdade em tempos de opressão. Mas, houve outros como Adriano Correia de Oliveira, Fernando Tordo, José Falhais, ou poetas como Manuel Alegre, José Carlos Ary dos Santos ou Natália Correia.
Naturalmente, nomes, poetas, compositores ou cantores esconderam-se na minha memória, mas ficarão guardados na memória da gente que sempre lhes quis bem.
No final, a Vereadora Andrea Silva agradeceu e agraciou a participação de Rui Vieira Nery com mais uma lembrança da Póvoa de Varzim. Também o director do FIMPV, Raúl da Costa, agradeceu a presença de todos e lançou o convite para assistirem aos concertos de música clássica, mas também de Jazz e fado, este último no parque da cidade, onde estará o clarinetista António Saiote, o maestro António Vitorino de Almeida, a Banda Sinfónica Portuguesa, Raúl da Costa ao piano e Kátia Guerreiro.
Por: José Peixoto