Voz da Póvoa
 
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Ressuscitador da Memória dos Arquivos

Ressuscitador da Memória dos Arquivos

Cultura | 15 Agosto 2020

José Manuel de Seabra da Costa Reis nasceu no Porto há 48 anos. A costela poveira é do pai e avó, que nasceu no Palacete Flores (rua Ramalho Ortigão) e viveu na emblemática Vila Miosótis (Avenida Mousinho de Albuquerque). É licenciado em História de Arte e pós-graduado em Museologia. Trabalhou como conservador estagiário no museu do Palácio Nacional da Ajuda. Depois, foi conservador e director, durante dez anos, do Museu dos Biscainhos e actualmente é Conservador do Museu Nacional Soares dos Reis e da Casa Museu Fernando Castro, no Porto. Entre outros livros publicou recentemente “Genealogias dos Carneiro da Grã e dos Costa Reis”.

A Voz da Póvoa – De onde vem este interesse pelo tronco das árvores genealógicas?

José da Costa Reis – Na genealogia o que me fascina não é uma listagem de nomes, mas saber o que esses nomes fizeram. É humanizar memórias que hoje em dia se residem apenas a um assento de nascimento ou a uma ordem de casamento. Reconstituir o que foi a vida destas pessoas, umas mais fácil de constituir do que outras, é sempre um enorme desafio. Depois, perceber que nós somos o resultado de todas essas pessoas que nunca tínhamos ouvido falar e são tão importantes para a nossa existência. Bastava falhar um na nossa ascendência e não existíamos. Esse lado é absolutamente fascinante.

A.V.P. – Quais os passos necessários para recriar a história de uma família?

J.C.R. – Primeiro faz-se o esqueleto. Depois, partimos para a pesquisa, normalmente muito demorada. Concluída a pesquisa atualizamos os ramos dos descendentes, uma parte menos interessante e aborrecida, porque não estando nos arquivos é preciso perguntar às pessoas, que sempre demoram a enviar os dados. Depois, tenho que pedir fotografias. No caso deste livro tive a colaboração de um ilustrador para desenhar as casas, porque esta família que pesquisei viveu muito centrada nesse polo agregador. Fiz também consultas bibliográficas para documentar.

A.V.P. – O livro chega às mãos do leitor com quantos anos de investigação?

J.C.R. – Esta minha iniciativa começou em Agosto de 2016. Tenho família em São Miguel de Arcos, em Vila do Conde e, fui almoçar com três primos. Aí surgiu a ideia de escrever um livro sobre a família. Um trabalho com muito fôlego e investigação. Na viagem para o Porto a ideia amadureceu e passei a ir todos os dias ao Arquivo Distrital do Porto, procurar e ver o arquivo Notarial da Póvoa de Varzim, que está ali depositado e bem conservado. Passei mais de dois anos a ver documentos desde o ano1500 até 1902. Foram milhares de horas, incluindo folgas e até dias de férias, para reconstituir a história. Por vezes uma folha do livro com um dado relativamente a um dote demorou-me semanas a encontrar. Por norma os dotes faziam-se antes do casamento mas podia acontecer depois. Era preciso ver o livro de registos completo.

A.V.P. – Buscar a memória de uma família significa que a pesquisa tem muita viagem?

J.C.R. – As pessoas nasceram, casaram e morreram em lugares, vilas e cidades diferentes. Por vezes temos que pesquisar arquivos municipais, arquivos das instituições que eram proprietárias das terras onde as pessoas trabalhavam. Pesquisar nas bibliotecas, nos arquivos dos jornais, para se saber o que estas pessoas fizeram no seu tempo. Esse é o caminho todo da revelação. Partindo de um nome que só sabíamos três dados, data de nascimento, casamento e morte, ficamos a saber tudo a cerca deles e isso é absolutamente fascinante. Ao conhecermos os nossos antepassados também estamos a conhecer os antepassados das outras pessoas. Naquele tempo, as pessoas viviam de acordo com o seu estatuto social, mas não havia excentricidades, nem esta diversidade de existências de hoje. As vidas do passado eram muito mais iguais.

A.V.P. - Há códigos de procura que ensinam a ir atrás de um familiar?

J.C.R. – Sou um rato de arquivo, interesso-me por todos, não consigo deixar para trás uma avó ou um avô. Vou por todas as linhas, tento saber quem eles eram. Como disse, bastava um deles não ter existido para eu não existir. Talvez por não ter filhos, tenho muita curiosidade relativamente aos tios. As pessoas normalmente acham que a sua família são os pais, os irmãos e os avós, mas os tios são muito importantes na formação de uma família. Porque, muitas vezes não casaram ou não tiveram filhos e investiram na sua profissão e até a ajudar a criar sobrinhos. Nesta realidade que estudei havia muitos tios que iam para o Brasil e depois deixavam fortunas às sobrinhas para poderem casar. Antigamente quem não tinha dote não casava, mesmo pessoas de origem popular.

A.V.P. – Explique essa importância de viver para contar os outros…

J.C.R. – Estou a fazer isto porque acho que tenho esse dever. É quase uma obrigação. Eu tenho esta capacidade de fazer, de me apaixonar pelos arquivos, a capacidade de gastar dias de férias, mesmo não ganhando para isto. Sei fazer, devo fazer para não se perder. Durante este trabalho de pesquisa fiquei com a consciência de que seria muito interessante a Póvoa de Varzim fazer uma parceria com o Arquivo Distrital do Porto, onde está depositado o arquivo notarial de todos os concelhos, no sentido de colaborar na digitalização deste espólio, criando uma plataforma online. Seria um salto enorme na investigação sobre o concelho da Póvoa. Acho que os concelhos devem valorizar a sua identidade. A Póvoa já digitalizou os jornais, um trabalho que arrancou no tempo do Manuel Lopes, uma pessoa que me incentivou muito quando eu era um jovem com 20 anos. Agradeço e dedico este livro ao Manuel Lopes.


José Peixoto

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