Voz da Póvoa
 
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Que a Póvoa continue a ter “Voz”

Que a Póvoa continue a ter “Voz”

Cultura | 22 Abril 2021

É inegável que a globalização abriu portas, desabou muros e abeirou os povos. Inoculou vitaminas na liberdade humana, o que causou a simpatia de sociólogos e politólogos. Todavia, o exagero vitamínico e a liberdade descontrolada sobrevindos, foram responsáveis por excessos de informação vomitados pelas inúmeras plataformas digitais, entretanto surgidas por demais.
 
Os seres globalizados têm sido infetados por uma informação dispersa, imensa, imediata e, sobretudo, superficial. Ora, o excesso de informação provoca retrocesso na compreensão, não fora a circunstância de dispersar a atenção. De facto, a hiperatenção hoje requerida, leva a uma dispersão incontida; implica uma ausência de certeza que incorre numa vivência sem convicções. Na verdade, um saber superficial gera um viver sem qualquer ideal. E, sem objetivo, a sociedade e o sujeito caminham sem claridade e sem proveito. Caminha-se à deriva e deambula-se sem perspetiva, nada mais sendo que um caminhar vagabundo por este mundo.
 
O acesso ilimitado à informação nada mais é que um barulho generalizado, uma espécie de entulho dispersado, no meio do qual perdemos o conhecimento do passado, mesmo aquele que consideramos dourado. Perde-se a história e fica-se sem trajetória. É então essencial saber procurar a informação fundamental, sem pressa … aquela que interessa.

Hoje, as plataformas digitais mutilam a maior parte da imprensa, aniquilando o jornalismo comunitário, cívico e cultural, ferindo de morte toda a escrita eloquente, influente e consequente. A mensagem escrita, sendo lida, é, por isso demorada, para ser aprendida e interiorizada; caracteriza-a um percurso narrativo. Contrariamente, a informação imagética e instantânea é apenas consumida, e, se a vida vira apenas consumo, fica sem rumo.

Qualquer comunidade diferenciar-se-á e perdurará pela cultura que acrescenta, afirmando-se com a sua idade com assinatura apensa. A uma tribo está inerente uma identidade social, uma roupagem particular que mais não é que um sinal da sua coesão familiar. A cultura comunitária são as aldeias com os haveres, as ideias e os dizeres, bem como as danças e as canções, as esperanças e as invenções. São o património que perdura, um espólio que se revê na leitura. Daí a importância dos jornais nacionais e locais.

Tanto quanto se vê, a globalização tem concorrido para a extinção das culturas herdadas. Afortunadamente, na Póvoa de Varzim, tal nocividade não é tão notória, o que em parte se deve à atividade comunicacional e cultural da imprensa local, que é meritória. É incontestável que a imprensa local tem levantado a memória coletiva, a qual importa ser recordada e interiorizada, numa interculturalidade identificativa com consequências no plano humano, seja ao nível individual, seja ao nível social. Refiro-me mesmo à memória, ao conjunto de reminiscências que reavemos, quando queremos rever a nossa identidade comunitária emancipatória.

O filósofo inglês Roger Scruton, no seu livro “A Cultura Moderna”, enfatiza a “cultura comum” como sendo aquela que une uma comunidade. Está de parabéns a “A Voz da Póvoa”, que tem sabido divulgar a cultura que nos diferencia e identifica ao longo de oitenta e três anos de profícua atividade jornalística.

Afonso Pinhão Ferreira, professor universitário

 

 

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