
Há um bulício a espalhar-se pelas ruas quando o Novembro adentra o calendário.
Um murmúrio terno e inquietante, uma febre discreta que arde na expectativa do amanhã.
O olhar fita adiante e o Tempo, esse velho ilusionista, começa a fugir por entre os segundos de inércia.
Do lado de lá do Atlântico, as luzes se acendem mais cedo, e a noite cai vestida de lã.
O Inverno invita ao recolhimento, e as casas se transformam em pequenas constelações particulares.
As pessoas precipitam-se em embrulhar promessas com laços vermelhos, enquanto cozinham lembranças para disfarçar ausências perfumadas com canela.
Na via pública, confere-se aos pinheiros um brilho quase celeste, ofuscando a visão dos transeuntes…
Entretanto poucos conseguem perceber o instante em que o Presente se desfaz, entre o flash de uma fotografia e o pensamento na ceia que está por vir.
No Sul do globo, o verão escancara as suas portas.
Os natais são de sol, calor e frutas frescas.
Mas ainda assim a impaciência é a mesma.
Há a urgência de reservar, de comprar, de planejar…
As despensas enchem-se enquanto a alma se esvazia.
E entre as canções natalícias e o barulho das crianças, há sempre alguém com o pensamento distante, na ceia perfeita, no vestido imaculado, no momento ideal que, curiosamente, nunca é Este.
Amiúde, o Tempo observa calado e pacientemente.
Ele sabe que é mestre em desvanecer.
Observa as listas de presentes aumentarem, as agendas se preencherem de compromissos, os sorrisos prometidos ao Futuro.
E lamenta, pois raros são os que percebem que o verdadeiro presente é, precisamente, o que se perde quando se espera pelo que virá.
Ah, como gostamos de antecipar a alegria!
Como entrançamos ansiedades em fios de ouro e chamamos isso de Esperança!
Planeamos o menu, escrevemos os convites, pensamos nas postagens, e esquecemos do mais essencial: respirar, olhar e, principalmente, estar!
O Natal, que um dia foi presença, tornou-se ensaio.
E vivemos ensaiando tanto o futuro que o espetáculo da vida acaba adiado eternamente, sempre à espera da plateia que se olvida que a sessão é hoje.
Há, do norte ao sul do planeta, um espírito a contar os dias como se o milagre obedecesse ao calendário, como se a Estrela só brilhasse uma vez a cada 365 noites!
E, no entanto ela está sempre lá, silenciosa e fulgurante, à espera que alguém olhe para o céu em vez de para o relógio.
A urgência de celebrar o que virá rouba a magia do que já é.
E o Tempo, esse deus onipresente, segue o seu caminho chorando baixinho a nossa pressa em não vivê-lo.
E quando o último grão de areia tombar e o derradeiro badalo soar no peito dos homens, talvez se recordem que, afinal, planejar não é o mesmo que viver.
E que o tempo que se esbanja à espera do amanhã é exatamente o que nos falta para ser feliz agora!
Maria Luiza Alba Pombo