Voz da Póvoa
 
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Poemas no Colo da Funda

Poemas no Colo da Funda

Cultura | 21 Fevereiro 2021

Emanuel Madalena nasceu em Aveiro, em 1986. É mestre em Estudos Editoriais e doutorando em Estudos Literários na Universidade de Aveiro. É também mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto. Pelo seu imaginário criativo, foi duas vezes seleccionado para a mostra nacional do Concurso Jovens Criadores, participou na VIII Bienal de Jovens Criadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e tem recebido distinções em vários prémios literários. Dispersou contos e poemas por eventos e publicações digitais, analógicas, antológicas e arqueológicas. Em 2019 publicou o seu primeiro livro “Sob a Forma do Silêncio”, colecção elogio da sombra, coordenada por Valter Hugo Mãe.

A Voz da Póvoa – Em todas as Ruas se perdem e ganham palavras?

Emanuel Madalena – Para mim, a poesia é encontrar alguma coisa no meio do caos. É como escavar alguma coisa até encontrar, como o escultor, da matéria bruta encontrar alguma coisa.

A.V.P. – Lançar a pedra no colo da funda, afinal não foi lançada, mas buscada…

E.M. – O poema diz para escolher a pedra, não a mais pesada, mas a que melhor caiba na funda. É precisamente essa ideia muito banal, de que nem sempre o mais é bom, por vezes, o mais é menos. Por isso, é melhor escolher a palavra certa, a pedra certa, do que propriamente a quantidade. Sim, é essa a minha ideia, daí eu ter demorado tanto tempo a encontrar a pedra, o poema.  

A.V.P. – Descobrir sozinho o poeta dentro de nós, mesmo quando pedimos opinião?

E.M. – A poesia é sempre muito pessoal, pelo menos para mim, não a concebo de outra forma. Habitualmente, nas apresentações do meu livro, refiro-me ao não ter de facto esse acompanhamento de outras pessoas, quase, para validar aquilo que se está a escrever. Por um lado, pode ser mau, porque a pessoa sente-se mais sozinha, mas por outro pode ser bom, porque se calhar não seria assim tão bom, mas só porque os amigos diziam que era realmente bom e deveria publicar. Isso por vezes também acontece em meios pequenos, porque há poetas em todo o lado. Eu, como sou uma pessoa mais solitária, nunca me dei muito com outros poetas e a validação foi um pouco pela minha própria exigência. Eu sinto que sou bastante exigente com a poesia no geral, naquilo que gosto de ler e também com a minha escrita. Preciso sempre de algum tempo para me distanciar, para me esquecer do que escrevi, para quando me decidir a ler, o faça com um olhar mais exigente. O que tinha acontecido até agora era rejeitar tudo, sempre, até esta última fase. Neste momento, a minha exigência já foi aplacada.
 
A.V.P. – Os poemas na gaveta ainda lhe pertencem e sabe exactamente quantos cabem no livro futuro. Mas quando o livro sai da edição para o leitor, ele pode ganhar por cada poema imensas leituras porque cada leitor escreve na sua cabeça um novo poema. Como sobrevive o poeta à sua primeira intenção poética?

E.M. – Sobrevivo muito bem e até fico bastante contente com isso. Espero mesmo que a beleza deste livro sobreviva a essa captura. Espero quase, como a beleza da borboleta sobrevive ao alfinete, tal como o digo em dois versos do livro e, por outro lado, não diria da poesia que fui escrevendo até agora, mas pelo menos neste livro os poemas são imensamente pessoais, mas não devassam a vida privada que às vezes os poemas trazem e que por vezes, até é necessária. Cada poeta o sente. Neste livro isso não acontece muito, por isso, não tenho esse medo que os leitores interpretem mal algumas coisas mais autobiográficas. Estou tranquilo. 
 
A.V.P. – A poesia sai da mão acabada, mas rejeitamos por vezes certo poema. Naquele livro não cabe uma rejeição de lugar, não do poema, mas por não fazer parte daquela linguagem. Quando é que decide isso, quando é que sabe que não é daquele livro? 

E.M. – Naquilo que eu penso que continuarei a fazer, não garanto, mas acho que é essa a minha propensão, é pensar os livros como um ciclo, como uma unidade temática. E neste livro, foi um processo que demorou imenso tempo, isso aconteceu naturalmente. Fui escrevendo poemas mais ou menos sobre os mesmos temas e julgo que também foi naturalmente que cheguei ao fim. Ou melhor, há um certo esgotamento do tema. Fazer isso é como partir para outra viagem. Não quer dizer, que não volte a escrever um poema sobre o filósofo austríaco Wittgenstein, como muitos poemas deste livro o fazem. É um silêncio em geral, embora o silêncio seja habitual na poesia, há uma linguagem e o seu limite. Mas, pelo menos para mim, o silêncio é natural.
  
A.V.P. – Há um certo nervosismo ou não se sente mesmo à vontade nas apresentações do livro Sob a Forma do Silêncio?

E.M. – Talvez por ser uma pessoa um pouco tímida e introspectiva. Por outro lado, sinto que não tenho grande coisa para dizer ou serei mesmo a pior pessoa para falar sobre os meus poemas. Tenho por costume dizer que, explicar um poema seria o mesmo que explicar uma anedota, não faço nunca isso. Gosto de ouvir outras pessoas a analisarem os meus poemas ou a dizê-los, como já aconteceu. Acho que isso é produtivo para o poeta. Lá está, saber os poemas que as outras pessoas criam a partir dos nossos. O facto de representar e falar da minha poesia, faço-o com alegria, porque acho que é necessário, obviamente, mas fico um pouco retraído.
  
A.V.P. – Há poetas que dizem que a poesia não serve para nada, mas há ou não há uma consciência transformadora da palavra e da sua propagação? A poesia não é uma árvore que se renova em folhas todos os dias, todas as horas, todos os anos como se as palavras fossem estações?

E.M. – A poesia e a literatura no geral servem para muita coisa, não servem é para aquilo que normalmente as pessoas dão valor. Porque não há propriamente um valor material, a não ser o das indústrias culturais e obviamente da edição. Como leitor, quando não estou a entender fico ainda mais obcecado para tentar compreender.

A.V.P. – A Natália Correia dizia que a poesia até para comer servia…

E.M. – Exactamente. Não tem esse valor tão imediato que o capitalismo procura em tudo. Por isso, é uma coisa que acaba por não interessar a essa grande forma de ver as coisas, mas que serve para alguma coisa, serve.


Por: José Peixoto

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