Voz da Póvoa
 
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Os Ventos Atlânticos da Música Açoriana

Os Ventos Atlânticos da Música Açoriana

Cultura | 27 Agosto 2020

As nove ilhas do arquipélago açoriano são conhecidas pela sua longa e diversa tradição musical, tendo motivado uma visita, em 1952, pelo professor, Artur dos Santos, que viria a recolher os sons e as palavras que andavam na boca e no ouvido das gentes insulares. Foi este etnomusicólogo quem gravou pela primeira vez o pastor do verbo, José da Lata, “divulgador” de muitas canções pertencentes ao cancioneiro açoriano. Essas gravações seriam importantes para nomes como Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Carlos do Carmo ou Carlos Alberto Moniz que, assim, cantariam alguns desses temas, ouvindo-se ainda hoje as suas renovadas versões de “O Sol”, “Bravos” ou “Braços”.

Algumas décadas depois, em 1982, o agrupamento musical “Construção” editou com a chancela da Disrego o álbum "Há Qualquer Coisa", que anunciava uma nova geração de músicos com novas sonoridades até aí pouco exploradas em terras açorianas. Este álbum, com composições, na sua maioria da autoria de Luís Alberto Bettencourt e de Aníbal Raposo, alcançaria o reconhecimento da crítica musical nacional. Uma das vozes decorrentes desta nova música açoriana emergiu e cristalizou-se a meio de década de oitenta: Susana Coelho. A cantora, oriunda de uma família de músicos terceirenses, tornar-se-ia a intérprete açoriana de maior relevo, sobretudo a partir de canções maioritariamente escritas por Zeca Medeiros. Sendo este realizador, músico e compositor, ainda hoje, o responsável por muita da música açoriana de referência que está presente na memória colectiva. É que muita da sua música foi gravada para distintas séries e telefilmes: "Mau Tempo no Canal", "Xailes Negros", "Gente Feliz com Lágrimas", Balada do Atlântico", "O Barco e o Sonho", "O Feiticeiro do Vento", "A Ilha de Arlequim", "O Sorriso da Lua nas Criptomérias", “As Sete Viagens de Jeremias Garajau”, “O Livreiro de Santiago” ou, por último, “Escrito no Basalto”. Os trabalhos televisivos de Zeca Medeiros seriam ainda responsáveis pelo aparecimento de tantas outras vozes e intérpretes: Minela, Paula Oliveira, Vera Quintanilha, Mariana Abrunheiro, Vânia Dilac.

Outro momento e marco importante terá sido o álbum de recolhas “Cantar Na M´Incomoda”, editado em 1998, produzido por Luís Gil Bettencourt e cantado por Carlinhos Medeiros. O disco tornar-se-ia uma referência dada a nova roupagem e sonoridades na renovação dos temas tradicionais. Carlinhos Medeiros esteve também na origem do projecto “O Experimentar Na M'Incomoda”, ao lado do guitarrista de origem faialense, Pedro Lucas. Editaram, em 2010, com título homónimo e "2: Sagrado, Profano", em 2012, sendo que ambos os discos obtiveram o reconhecimento e aplauso da crítica da especialidade. Dessa comunhão musical resultou o projecto “Medeiros/Lucas” que conta já com três discos: “Mar Aberto”, “Terra do Corpo” e “Sol de Março”, estes dois últimos com letras do escritor micaelense João Pedro Porto. 

Chegou também a vez de nomear a cantora Sara Cruz, que lançou recentemente o trabalho “Above our Heads”. Esta canta sozinha em palco, é conhecida pelas suas canções orelhudas, melodias povoadas de histórias de amores e desamores ou ainda perdas de aviões. Esta possui uma voz segura, plena de leveza e de um timbre singular em crescendo. Num registo mais irónico e despojado, segue-se Romeu Bairos que, a cada actuação, encanta o público com temas do seu EP mais recente - “Cavalo Dado”, editado em 2019, tal como vai dando voz à interpretação de temas de Zeca Afonso ou de José Mário Branco. Ultimamente, tem sido acompanhado ao piano ou pelo acordeão, pelo experiente músico jorgense, Paulo Borges, para além dos versos de “Quantas Asas tem o Vento do teu Nome”, poema do jovem escritor micaelense, Leonardo Sousa. E, se quisermos continuar no campo da originalidade e da energia das canções populares, temos de lembrar a forte presença dos ribeira-grandenses WE SEA. A banda é constituída pelo Rui Rofino, voz e teclas, e por, Clemente Almeida, no teclado e criações melódicas. São eles os autores da música e dos versos: “Meteorologia é mentirologia / avô sabia que.../ Se não chovesse faria um lindo dia/ Um rico dia / São pais dos nossos pais.”

Texto: Fernando Nunes / Fotografia: Carlos Olyveira

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