
“O Salvado” de Olga Roriz subiu ao palco da Casa das Artes de Famalicão para nos interrogar sobre a lucidez, lucidez que nos guardará na memória uma data, 10 de Outubro, cheia de crepúsculos, de idades de tardar.
Aos gritos ninguém se ouve. Uma guitarra louca a chamar pela Olga Roriz, Alexandre Ruas, pelos dois, enquanto de pé ou já sentados o público desconhecia que da penumbra bailava já de sons uma mulher eterna. A ‘Águia Imperial Ibérica’, entre outras planuras universais pelo ofício da liberdade dedica “este espectáculo às crianças da Palestina”, vítimas de genocídio e da hipocrisia dos instituídos sobressaltos. Esta mulher não tem idade, é capaz de desnascer em cada certeza, experimentalismo ou ritual. Creio que continua à procura da descoberta, de plantar uma flor no deserto.
A vida é uma colagem de sentidos onde cada um se justifica entre a melancolia e a reflexão. Continuo a achar sem procurar, os ombros nus não se despem. O corpo é o que vês, não se mostra ao acaso, caminha em pontas. Voa pela leveza da pele que queres tocar, asas a terminar em mãos. Dedos apontadores, em riste, a acariciar, mandar calar ou a falar de mais, um alfabeto de gestos apalavrados pelo silêncio a dois, quantos seremos afinal? Pessoas, diversas.
Dizer bonito é diminuir a arte do belo, da beleza. Um violoncelo deitado já foi violino, é do corpo, da intimidade crua, da interna transparência. Continua afinado.
Criar dentro da cabeça sem a luz do dia, é uma alucinação de orelha a orelha, o sorriso, esse, ficou agarrado ao silêncio, à evasão.
Se albergasse todo o universo da reflexão, aportasse o inconsolável e o divino à urgência de libertação, o mundo do notável, do mito, da excelência, do melhor dos melhores sem um único parágrafo para a transversalidade, para a interacção do criativo, seria em Olga, na precisa visão, um restauro do verbo que nos despiu de preconceitos.
Mas, a narrativa actual dá-se ao desleixo de uma subtil verdade, de num transtorno verbal capaz do inconcebível erguer de muros cada vez mais resistentes ao eco do grito, implode por decreto e amansa o protesto. Quero-te besta, animal de facto, aprisionado à condição de servo.
O vazio que nos ocupa, preocupa por não ter a garantia de o desocupar, salvar-se entre “O Salvado”. Tal como as árvores, haverá sempre quem morra de pé.
Por: José Peixoto
Fotos: D. Reservados