Voz da Póvoa
 
...

O Ultimo dia é Sempre o Primeiro do Ano que Vem

O Ultimo dia é Sempre o Primeiro do Ano que Vem

Cultura | 8 Agosto 2024

 

Um clarinete a cantar Amália e outras consagradas vozes acompanhado na guitarra portuguesa por Artur Caldeira e na guitarra por Daniel Paredes, abriu a 27 de Julho, o primeiro dia do ano que vem do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim (FIMPV), que desta forma se despediu da sua 46ª edição.
A história deste concerto no Parque da Cidade terá que recuar a 1983 quando Rão Kyao gravou “Fado Bailado” onde com o mestre da guitarra portuguesa, António Chaínho, revisitou alguns dos mais aclamados fados, à luz da voz do saxofone, inaugurando uma outra dimensão para a canção de Lisboa.

Dito isto, o grande António Saiote também nos ofereceu “Clarinete em Fado – e outras músicas” numa revisitação aos grandes nomes da escrita e da composição como Jaime Santos, Frederico Valério, Amália Rodrigues, Max, Paulo de Carvalho, Carlos do Carmo, Fontes Rocha, Fernando Carvalho, Armandinho ou José Luís Nobre. 

Que lindo, que conversa entre o clarinete e a guitarra. Creio que em cada palavra havia uma carícia feita de pele, uma promessa de amor eterno. Além disso, a guitarra como portuguesa, que é não sei se por ciúme, quis entrar no leito e cruzar paixões em trio. Uma dedicatória ao fado que não sei se chora se faz chorar, sei que nos conta a memória que nos falta caminhar como Artur Cabral nas variações sobre o Fado Lopes.

Estava a ouvir António Victorino d’Almeida ao piano quando chegou a notícia da morte de Mísia, a senhora que em Paris nos engrandeceu em fado recriado. Este país quando não entende o Pessoa, as pessoas vão-se embora.

O maestro e pianista interpretou quatro gerações da mesma família, tocou um fado escrito pelo avô e tocou-nos a nós. Seguiu-se um fado de seu pai, o terceiro foi da sua lavra e o quarto escrito pela sua filha. “O meu pai conheceu a minha mãe na Madeira. Tudo se paga, nasci eu”, e mais uma feliz gargalhada de Victorino d’Almeida. 

O piano também sabe cantar fado quando o pianista sabe exactamente onde buscar as cordas da voz do instrumento.

Seguiu-se o inédito encontro em palco do clarinetista António Saiote e do maestro e pianista António Victorino d’Almeida. Dez fados encomendados pelo Festival ao reputado compositor, que antes de o ser não sabia nada de música, mas tudo de amor por ela. O piano chega a ser uma orquestra tendo o clarinete como solista. Um momento único do festival, os amigos que entre tantas conversas nunca tinham partilhado o palco juntos.

Enquanto a noite acendia no céu as estrelas, o palco encheu-se delas com a entrada da Banda Sinfónica Portuguesa dirigida pelo maestro Francisco Ferreira. Depois foi a vez do piano de Raúl da Costa dialogar com um coro de instrumentos. Os dedos ganhavam asas, iam na suavidade do vento e voltavam com a orquestra. Uma tremenda e merecida ovação ao pianista e director do FIMPV.

A Fadista Kátia Guerreiro, primeiro com três músicos em palco a viajar pelo fado tradicional, depois ao quarteto juntou-se a Banda Sinfónica Portuguesa. A música, a voz e o ritmo das palmas de milhares de pessoas elevou o fado à sua imaterialidade maior, sentido mais quando a fadista interpretou o poema de Amália Rodrigues, “Tenho um amor / Que não posso confessar... / Mas posso chorar / Amor pecado, amor de amor, / Amor de mel, amor de flor, / Amor de fel, amor maior, “ Amor amado!”

Estes últimos momentos do Festival fazem-nos acreditar que o presente tem futuro, enquanto a beleza das coisas continuar a procurar a perfeição entre a honestidade e o criador. 

José Peixoto 

Fotos: JCM/cm

partilhar Facebook
2858/FIMPV-0003.JPG
2858/FIMPV-0002.JPG
2858/FIMPV-0004.JPG
2858/FIMPV-0001.JPG
Banner Publicitário