
Esta estória passou-se há mais de 11 anos, no tempo em que os segredos se guardavam no coração, como livros alinhados numa estante. O avô Jerónimo dedicava um amor imenso à avó Mimi e às três filhas, e a maior alegria da família tinha sido o nascimento dos netos: Joana e Ricardo João.
Com o avô, a Joana aprendera a desenhar e a valorizar a família. O Ricardo, mais calado, observava cada gesto, como se procurasse decifrar um segredo invisível. A avó Mimi, sempre a cheirar a rosmaninho, dizia:
“Nesta casa, o amor não se diz. Vive-se.”
E assim era, sobretudo no Natal. Desde o início de dezembro, o avô e as filhas decoravam a porta com azevinho, bolas de cristal e fitas vermelhas, e a árvore era sempre um pinheiro natural que, depois dos Reis, era plantado no jardim.
Na noite de 24 de dezembro, todos se juntavam junto à lareira. Mimi contava estórias antigas, e o avô, com cartas e moedas, fazia magia. Mas, pouco antes da meia-noite, desaparecia alguns minutos: ia ao sótão ler as cartas que as filhas e os netos escreviam ao Pai Natal.
A Joana e o Ricardo sabiam que havia mais do que isso. E naquele Natal – o último com os dois avós – decidiram seguir o avô. Subiram devagar as escadas antigas e viram-no entrar num alçapão. No sótão, entre caixas e bonecas de louça, encontraram o avô sentado junto à janela, com um caderno de capa preta nas mãos.
“– Este caderno guarda o segredo mais bonito que já tive”, disse ele. “E só pode ser partilhado no Natal.”
Contou então que, muitos anos antes, num Natal pobre mas iluminado por uma estrela brilhante, encontrara um homem num banco de autocarro. Esse homem ofereceu-lhe algo precioso: um desejo para usar apenas no futuro. Como lembrança, entregou-lhe um botão vermelho do seu casaco.
O avô guardou o desejo durante toda a vida. E, quando tentara reencontrar o homem, encontrou apenas um papel na paragem:
“Os desejos não desaparecem. Só esperam pela altura certa.”
Fechando a caixinha, o avô sorriu:
“– Nunca usei o desejo porque percebi que o mais importante… já tinha: a nossa família.”
Foi o último Natal com Mimi e Jerónimo juntos. Na primavera seguinte, Mimi partiu, e o avô mudou-se para a casa da filha Isabel. Mas o espírito daquele Natal nunca se perdeu.
Isabel Rosas, escritora