Voz da Póvoa
 
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O mais Antigo Jornalista Poveiro em Actividade

O mais Antigo Jornalista Poveiro em Actividade

Cultura | 18 Abril 2021

Luís dos Santos Leal nasceu em 1934, na Póvoa de Varzim. Cresceu na curiosidade das primeiras letras, do saber, num tempo em que os meninos se faziam homens na idade de brincar. Começou a escrever para o Comércio da Póvoa aos 14 anos. Colaborou com o Norte Desportivo, Comércio do Porto, Jornal de Notícias, Diário Popular, A Capital, Revista Equipa, Agencia ANOP (actual Lusa), A Bola e ainda colabora com o jornal Record.

“Sempre que passava frente à Tipografia Frasco, na Rua Manuel Silva, plantava-me à porta a observar como faziam um jornal. Tinha muita curiosidade em saber como é que as colunas da página saíam tão certinhas e muito diferentes da forma como se escrevia um texto à máquina. Um dia falei com o meu irmão para pedir ao Chico Maia, jogavam ambos no Varzim, que intercedesse a meu favor com o senhor Agonia Frasco, para trabalhar na sua tipografia. Curiosamente, fiz a comunhão solene numa quinta-feira de Corpo de Deus e no dia seguinte, 21 de Junho, dia de S. Luís Gonzaga, com 12 anos, comecei a trabalhar na tipografia. Era precisamente, às sextas-feiras que se preparava o jornal Comércio da Póvoa e no sábado era distribuído. Na altura, o senhor Frasco tinha um rapaz que fazia a distribuição, mas não gostava e acabou mesmo por sair e seguir a profissão de mecânico. Passei eu a correr as ruas da Póvoa a distribuir o jornal pelos assinantes. Só o povo do mar não tinha assinantes”, recorda.

A aprendizagem veio depois: “Começava-se a compor à quarta e quinta-feira. As páginas do jornal, que se faziam num dia, tinham que ser compostas letra a letra (feitas de chumbo, antimónio e estanho), metidas dentro do componedor, nas medidas que a gente queria. Depois, tinha um galeão de madeira com um rebordo, onde se compunha o texto. Saíam 11 linhas de cada vez. Naquela altura, quase ninguém tinha gravuras nos jornais, mas nós tínhamos um amigo no Jornal de Notícias, que por vezes nos cedia algumas. As primeiras fotografias que começaram a aparecer no jornal, mandavam-se fazer ao Porto, numa casa especializada, as chamadas zincogravuras. Feita a impressão, tínhamos que fazer o despacho para fora da Póvoa, pelo correio. Colava-se uma etiqueta nos jornais com a morada da pessoa. Antes de ser publicado, fazia-se uma prova em triplicado para levar à censura, na Rua de Santa Catarina, no Porto. Eram patentes militares já reformados, que liam e censuravam as notícias ou os artigos a publicar”.

Luís Leal revela que todas as semanas o Comércio da Póvoa vinha riscado: “Era o pior que nos podia acontecer, porque obrigava-nos a refazer os textos e os artigos, às vezes nem era possível publicá-los porque vinham completamente riscados. A maior parte das vezes, ligavam mais ao nome dos colaboradores do que ao conteúdo. Tínhamos um colaborador que assinava Carlos de Rio Bom, que era do Porto. E começou a vir sempre cortado pela censura. Eu não via razão nenhuma para ser cortado. Acontece que um dia troquei sem querer o nome e levei à censura. Nas provas prévias aquilo passou, fizemos o jornal e eu fiz a correcção do nome. Revisto novamente pela censura cortaram o artigo, com a desculpa que o nome já não era o mesmo. Telefonei ao Carlos Rio Bom e ele passou a assinar José Godinho. Nunca mais foi riscado. Os artigos do Vasques Calafate também vinham sempre com partes riscadas, tal com o Santos Graça. Comecei a trocar os nomes e os textos passaram a ser menos censurados. O lápis azul da censura no Norte, era vermelho. Nas provas do Comércio da Póvoa, as partes censuradas vinham sempre assinaladas a vermelho”.

O Comércio da Póvoa Despediu-se ao Crepúsculo

Entrou para se tornar um profissional tipógrafo nas suas várias actividades artesanais e manipulação de máquinas rudimentares de impressão: “Graficamente fazia o jornal e comecei a escrever no Comércio da Póvoa aos 14 anos. Escrevia de tudo, crónicas, artigos e páginas inteiras de notícias. Uma ocasião, o director Manuel Frasco ficou doente, e eu fiz o jornal sozinho. Ele era como um pai para mim. A família nem sabia que o jornal continuou a sair semanalmente. Naquele tempo, havia O Comércio da Póvoa, a Ideia Nova e depois surgiu o Ala-Arriba. Recordo que o 25 de Abril de 1974, deu-se uma quinta-feira e o Agonia Frasco perguntou se deveríamos levar o jornal à censura. Decidimos não levar nada porque não deveria estar lá ninguém. Acabou aquela ansiedade dos cortes e o trabalho que tínhamos a seguir, quantas vezes páginas inteiras. Bastava um artigo muito cortado para termos que inventar algo para o lugar. Quantas vezes, saíamos às seis da madrugada depois de terminar de compor coisas novas, colocar uma gravura ou uma foto antiga a preencher o vazio”.

Para Luís Leal, informar era driblar a censura: “No final dos anos 40, O Comércio da Póvoa chegou a estar suspenso um mês, porque a censura cortou a primeira página quase toda e nós colocámos em substituição uma gravura de um cavalo e de um burro, e escrevemos Visado pela Comissão de Censura. Eramos obrigados a pôr em rodapé. Suspenderam o jornal cerca de um mês. Mesmo assim não nos calaram, publicámos o jornal Comércio até sermos autorizados a voltar a editar O Comércio da Póvoa, que imprimimos na Tipografia Frasco mais de 50 anos. Com as novas artes e a revolução informática, o jornal deixou de ser impresso na Tipografia Frasco. Os computadores vieram revolucionar tudo e passou a ser impresso numa outra tipografia, até fazer 108 anos e encerrar a 22 de Dezembro de 2011”.

Despediu-se “Até Sempre Póvoa” mas o tipógrafo e jornalista manteve-se ligado ao ramo, porque tinha fundado nos anos 80 o Jornal ‘O Varzim’ onde a vida desportiva do clube era por si contada: “Pelo tempo fora o computador veio mudar tudo, podemos fazer e refazer a página, as vezes que quisermos. Eu acabei por aprender a paginar no jornal ‘O Varzim’, que fundei e fui sempre seu director. Neste momento não tem saído porque não quero dar prejuízo ao Varzim, embora nunca tenha ganho nenhum. A direcção encolheu-se um bocado e eu deixo andar. Não percebia nada de como se paginava no computador, mas tinha um funcionário que sabia mexer e comecei a aprender. Passado um tempo já paginava e fazia tudo o que era preciso. O computador deu cabo das tipografias, mas foi um passo de gigante no meio editorial”.

A vida de Luís Leal esteve sempre ligada às artes do fazer e ao jornalismo: “Acompanhei a impressão do jornal, desde o mais rudimentar ao mais moderno passo. Nunca contei estar no campo de futebol a escrever o relato e pouco tempo depois sai o texto e fotografias com a paginação feita no próprio estádio, em computador. Marcam-me o espaço, enviam a imagem e eu ponho tudo direitinho e pronto a editar. Antigamente, as fotografias dos jogos que apareciam nos jornais, eram sempre da primeira parte, porque era preciso mandar revelar e enviar para a redacção. O Norte Desportivo foi o jornal que revolucionou tudo. Mal acabavam os jogos, saía para as bancas. Ia muitas vezes ver o Porto às Antas e quando chegávamos à estação da Trindade, o Norte Desportivo já lá estava à venda. Fazíamos o Comércio da Póvoa todo à mão e isso causava-nos admiração”.

E acrescenta: “Descobri o segredo quando comecei a colaborar com o Norte Desportivo, onde verdadeiramente iniciei no jornalismo. Ao intervalo dos jogos dávamos por telefone a formação inicial, as substituições e tudo o que acontecia na primeira parte. Depois, a meio da segunda parte dizíamos como tinha decorrido o jogo até ali e no final, saía do campo do Varzim e ia a correr até à Loja do Mata, ali ao norte da Póvoa e dizia o resultado final. Aliás, sempre que telefonava, saía do campo. Ou seja, na redacção adiantavam os textos e como os jogos eram todos à mesma hora, passado algum tempo do final das partidas, o jornal estava à venda. Com o meu amigo, Nuno Brás, que me levou para o Record, aprendi como se faziam as coisas se tornarem-se céleres. O Norte Desportivo era impresso na tipografia do Primeiro de Janeiro”.

O Escrever Desportivo Pelos Jornais ainda Continua Activo

O profissionalismo de Luís Leal chegou a outras redacções: “Passei a colaborar com o Comércio do Porto, a Bola e o Record, onde ainda escrevo sobre os jogos do Varzim, o Futsal do Rio Ave ou do Caxinas. Faço os jogos do Braga B para a Liga Revelação, que acontecem no centro de Estágios de Fão. Eu vou dizendo às gentes do Record, para onde escrevo há 54 anos, para arranjarem outro, mas eles convencem-me a ficar. Esta colaboração teve passos distintos. Primeiro fazia os relatos por telefone, depois comecei a escrever à mão e despachava para a Bola e para o Record, e também colaborei muito tempo com o Comércio do Porto. Ou seja, como enviar pelo correio nunca chegaria a tempo, eu ia ao Porto às sedes dos jornais despachar para Lisboa. Depois, veio o Fax e facilitou imenso. Ia ao correio e escrevia o Fax e enviava para as redacções. Depois veio a internet e agora estou muito bem sentado e envio tudo por email. Não há ninguém como eu na Póvoa, que tivesse toda esta vivência”.

 O decano dos jornalistas poveiros tem também uma enorme paixão pelo seu clube de coração: “Vivi e vivo o Varzim como ninguém. Com sete anos já distribuía os equipamentos pelos jogadores. O meu irmão era o guarda do campo e polícia Municipal. Quando havia treinos ele ia-me buscar à escola onde está hoje a Guarda Republicana, e levava-me de bicicleta ao campo do Varzim. Eu era a mascote oficial do clube poveiro. Nos jogos oficiais entrava com o Chico Maio, quando foi para África, passei a entrar com o Tone Pinheiro. Um dia, o porteiro não me deixou entrar, eu já tinha 15 anos e meti-me a sócio. Neste momento, sou o número três. Pelo meio fui director do Varzim e fundei o jornal do clube, uma raridade a nível nacional”.

Para Luís Leal a imprensa actual precisa cada vez mais dos leitores e das empresas que apostam na publicidade: “Vive dias mais nublosos e está muito encostada ao poder. A imprensa actual vive da publicidade que escasseia cada vez mais. As empresas não têm qualquer sensibilidade para com os jornais que as promovem e ajudam na transparência do negócio e do poder. Mesmo nas televisões são os híper mercados quem mais publicidade fazem ou empresas de comunicações e Bancos. Quem ainda acredita na divulgação das suas iniciativas é o poder, que continua a meter publicidade na imprensa. Parece que há liberdade de imprensa, mas não é verdade porque as necessidades limitam as opções e uma verdadeira informação. A imprensa para ser isenta precisa ser apoiada. Não podemos olhar para os jornais como olhamos para qualquer outro ramo de negócio. Um povo bem informado será sempre mais livre. Tenho colegas jornalistas que já foram perseguidos, despedidos e outros tiveram que abandonar a imprensa e emigrar, isto muito depois do 25 de Abril, ou seja em liberdade. No meu caso, entro no jornalismo quase a brincar. Atravessei os tempos todos, o antes e depois da ditadura, sei bem do que falo, foi e ainda é a minha vida”.

Por: José Peixoto

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