Voz da Póvoa
 
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O Maestro Que Fez Renascer o Coro Capela Marta

O Maestro Que Fez Renascer o Coro Capela Marta

Cultura | 19 Março 2021

A luz acendeu pela primeira vez no olhar, na Póvoa de Varzim em 1987. Só os brinquedos sonoros o fascinavam e no dia em que os braços se desenharam foi para abraçar o violino e os estudos musicais na Escola Municipal de Música da Póvoa de Varzim. Há também um piano nos dedos antes de uma batuta. Por isso, concluiu o Curso Profissional de Instrumentista de Cordas e de Tecla na Escola Profissional de Música de Espinho, na classe de violino do professor Nuno Soares. Depois, porque se convenceu que o saber não ocupa lugar, licenciou-se em Música na vertente de Direção Coral pela Universidade do Minho, como aluno da classe do professor Vítor Lima. E mais tarde, nesta Universidade, ingressou o mestrado em Ensino de Música na vertente de Direção Coral e Instrumental e Formação Musical. Em cada ano, que no horizonte os sons se misturam, frequenta cursos de aperfeiçoamento musical. Revelamos um pouco do curriculum de Tiago Pereira, o maestro do coro Capela Marta e também promotor e director artístico do Encontro de Música Coral da Póvoa de Varzim.
 
As aulas à distância ainda é possível manter, mas ensaiar um coro em tempo de pandemia é uma ilusão: “Está a ser muito difícil para toda a gente e muito mais para a cultura. Nas orquestras, ainda conseguimos ter vários músicos com máscara a tocar. As excepções são para os instrumentistas de sopros. Agora, é impossível ensaiar as 32 vozes de um coro, porque para além do risco há determinados timbres que são afectados pela pressão que a máscara exerce. É necessário uma certa técnica vocal e a pandemia veio complicar tudo, desde logo a respiração. O mais racional é estar parado, embora para tristeza de todos os coralistas, porque um grupo vive para além da música. O coro Capela Marta parou há cerca de um ano. O último concerto foi em Valença, para um auditório esgotado. Tínhamos uma agenda de concertos em 2020 como nunca tivemos. Era o resultado destes oito anos de trabalho. Desde logo, o concerto marcado para o auditório Mar de Vigo, no Festival de Habaneras”, recorda o maestro.
E acrescenta: “Estamos parados artisticamente, mas podemos continuar a programar o futuro. Até 2022 tínhamos tudo bem definido, mas com os adiamentos que têm acontecido, só temos incertezas, embora os convites se mantenham. Há também projectos que o grupo tinha, como os Caminhos de Santiago, o encontro de Música Coral da Póvoa de Varzim, que é já uma das referências a nível nacional. Recordo que no ano passado, tínhamos uma programação excelente que acabou cancelada. Tivemos que enviar um comunicado às instituições e Coros que cooperam connosco, mas como Director artístico do Encontro, tenho uma relação muito próxima com todos os colegas maestros, e consigo contactar com eles com alguma facilidade. Houve alguns coros que não pararam logo e acabaram por ter problemas relacionados com a saúde dos seus elementos. Por isso, conseguimos adiar o VIII Encontro de Música Coral. Acredito que poderá voltar em 2022. Convém lembrar que tivemos que mudar hábitos e não é fácil voltar a eles. Haverá reflexos negativos a superar”.

Se as condições o permitirem, Tiago Pereira abre as portas a algumas iniciativas: “Decidimos que o nosso regresso aos palcos só deverá acontecer no próximo ano, mas há sempre a possibilidade de convidar outros coros, com elementos mais jovens, uma vez por mês, para fazer regressar aos poucos a actividade destes grupos. Ou seja, é como se o Encontro de Musica Coral pudesse acontecer uma vez por mês, até podermos regressar em pleno e voltar a organizá-lo no seu primitivo formato”.

Quanto à questão do aniversário, 70 anos do coro Capela Marta, “Será tudo em formato Online. Todos os dias, temos uma personalidade em vídeo a contar o que vivenciou com a Capela Marta. Há muitas histórias que se contam e eram desconhecidas da maioria dos elementos que integram ou fizeram parte do coro. Temos também um CD gravado e apresentado que é uma mais-valia nos trabalhos de casa dos coralistas, que ouvindo podem sempre praticar. Claro que falta o maestro e a pedagogia na proximidade, mas todos sabemos e aprendemos nos últimos 8 anos. Depois, estamos sempre em contacto e qualquer dúvida pode ser sempre esclarecida seja por telemóvel ou pelas redes sociais. Há aquecimentos físicos que ajudam a melhorar a voz, mas também a saúde ou a postura no grupo”.

Medalha de Reconhecimento Poveiro – Grau Ouro

“Recebemos a notícia da Medalha de Reconhecimento Poveiro – Grau Ouro, atribuída pelo Município, uma honra para o coro Capela Marta, que é uma referência na música coral da Póvoa de Varzim. Esperou 70 anos para receber esta honra e depois a pandemia não deixou entrega-la, mas não nos calou esta felicidade. O Presidente da Câmara disse que em momento oportuno será entregue, mas o dia da cidade não se pode adiar. Receber esta medalha é a concretização de um sonho lindo”.

A acontecer a entrega da medalha, a única certeza para Tiago Pereira é que não haverá concerto: “Todos sabemos que é impossível. Recordo que no final da segunda vaga desta pandemia, começámos a trabalhar de forma a voltar à actividade, com método. Primeiro os tenores, depois os baixos e de seguida os barítonos, mas em dias diferentes. Pretendíamos fazer o ensaio na Igreja Matriz, com 4 ou 5 elementos de cada vez. Não é o mesmo que o colectivo, mas era uma forma de regressar ao trabalho. Só que entretanto, a situação do país agravou-se e voltou o Estado de Emergência. Depois, não é fácil regressar porque o coro Capela Marta não está a fazer apenas o seu repertório, mas várias peças musicais, como o cancioneiro poveiro, um trabalho para o futuro (CD), mas também trabalhamos obras clássicas. Neste momento, apenas o podemos fazer em casa de cada um. Criámos um grupo no whatsapp, uma ferramenta que nos ajuda. Estamos também a fazer com que os elementos ouçam as obras para que no dia em que possamos estar todos juntos já não tenhamos que partir do zero. Quanto aos primeiros ensaios, quem sabe, possam acontecer ao ar livre”.

A experiência e os frutos do trabalho resultaram em convites para ensaiar outros coros: “Tenho conseguido conciliar o meu lado professor com os dois coros. Sem qualquer remuneração, comecei a ensaiar o coro Capela Marta e percebi que era uma questão de tempo para conseguirmos trabalhar bem. Resultou até muito rápido e isso pesou nas minhas ideias para o futuro. Estamos a falar de uma instituição que cresceu bastante porque os nossos patrocinadores também nos ajudaram. Depois, surgiu o coro Manuel Giesteira, de Amorim e Laúndos. Quando o padre Guilherme me convidou para dirigir o coro, não foi difícil dirigir porque a última maestrina fez um trabalho muito bom. Estamos a falar de um coro que, quando eram pequeninos percorreram o país inteiro e até foram a Roma cantar para o Papa. Apanho-os já na fase adulta, uns na universidade, outros já casados. Tenho um coro com um bom nível, mas sempre com aquela dificuldade de ter que preencher qualquer saída e por vezes não é fácil. No coro Capela Marta reunimos a cantar 30 homens e a maioria dos coros nem 8 homens consegue manter motivados”.

E o maestro acrescenta: “Gosto de trabalhar com ambos, até pelas diferenças, mas a Capela Marta cresceu muito nos últimos anos. Sei que está num nível muito alto e isso é fruto de muito trabalho, mas também sei que eu ainda não era nascido, o coro já tinha conseguido uma projecção e reconhecimento muito interessante. O que acho que aconteceu é que a Capela Marta voltou ao lugar dela, ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Tenho uma relação excelente com todos os coralistas e com a direcção, mas eles sabem que se amanhã tiver que sair, tenho tudo preparado para que o maestro que entrar, dando um pouco de si, tem uma instituição e um coro como eu não apanhei quando aqui cheguei. As pessoas não são eternas, mas o Coro Capela Marta pode conseguir essa eterna ilusão”.

O Futuro é Uma Partitura do Passado Interpretada no Presente

“Quando aqui cheguei tinha cerca de 14 elementos, era um coro com óptimas vozes, mas estava meio perdido. Não estou a dizer que fiz magia, era uma realidade. Cheguei numa terça-feira aos ensaios na Igreja Matriz e, o senhor Tomaz, na altura Presidente, apresentou-me as pessoas. Quando me fez o convite, disse-me logo que era agora ou nunca. Como gosto de trabalhos difíceis aceitei e dei os passos precisos. A partir daí tinha que fazer com que aquelas vozes voltassem ao brilho que tiveram. Passados quatro meses já todos tinham a alegria no canto e quando dei por ela, tínhamos já 21 elementos. Isso só foi possível porque todos acreditaram”, reconheceu o maestro.

O passo seguinte foi recuperar um público, aparentemente público adormecido: “Sabíamos que o grupo tinha um passado de honra e um público saudoso. Aos poucos começámos a encher novamente as igrejas da Póvoa. Percorremos todas as freguesias com o mesmo resultado. No Norte do país, fomos sendo cada vez mais bem recebidos. Fomos ao mosteiro de Tomar, ao Santuário de Fátima e os convites foram sucedendo mesmo para o estrangeiro, onde não é fácil deslocar, porque são convites por vários dias e temos os nossos trabalhos, profissões. Mas, a Espanha temos ido algumas vezes. O que aconteceu foi que voltámos ao nível que o coro Capela Marta tinha. Os 14 elementos que desconfiaram dos exercícios que lhes fui incutindo, rapidamente perceberam que os ajudava a serem melhores. Deixaram de ter dores nas pernas e nas costas e passaram a poder cantar duas horas seguidas. Esta magia, esta alegria foi conseguida. Hoje, orgulhamo-nos da admiração que as pessoas nutrem pela Capela Marta. Chego aos ensaios e sou recebido por todos com felicidade. Sei qual é o meu papel como líder e não preciso berrar. É uma liderança responsável e exigente. Hoje, temos uma cumplicidade que nos une como amigos. Isto é um trabalho de equipa. Um director coral orienta com as mãos e através do olhar, e por vezes ajudando com a boca, para perceberem como quero que sejam colocadas as vogais”.

Tiago Pereira é também professor de música e conta-nos a experiência de ensinar à distância: “É complicado dar aulas Online na área da música. Não consigo colocar toda a gente a cantar ao mesmo tempo. Os computadores não são iguais e a cobertura de rede também não. Cantar os parabéns ao mesmo tempo é uma desafinação total. Agora, mais vale isso que não ter nada. Dou aulas em vários agrupamentos a miúdos do primeiro ciclo. É um trabalho que gosto muito de fazer. Ver os meus alunos dentro de um ecrã é de uma frieza enorme. Um professor tem que ser uma referência para os alunos. Eu guardo com muita estima os meus professores”.
E conclui: “No futuro, quando tivermos melhores condições, a instituição Capela Marta vai criar uma escola de Cântico Oral. Não vamos fazer concorrência a ninguém. A escola de música tem dado muitos frutos. Precisamos assegurar a sobrevivência da Capela Marta e para isso queremos criar um coro infantil. Dessa forma, teremos mais maestro a ensinar e a formar futuros. Neste momento, a actividade cultural está praticamente parada, numa altura em que seria uma almofada de conforto para pessoas”.

Por: José Peixoto

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