“Quer o destino que eu não creia no destino / E o meu fado é nem ter fado nenhum / Cantá-lo bem sem sequer o ter sentido / Senti-lo como ninguém, mas não ter sentido algum”, o Desfado de Ana Moura convenceu um Salão d’Ouro, absolutamente preenchido em dia de Aniversário. A empresa Varzim Sol celebrou 57 anos.
A grande voz regressou a uma sala que bem conhece, acompanhada por três músicos de excelência, dois bailarinos e duas bailarinas que não precisam de nome para dançar. A tradição do fado sobrevive na grandeza de Ana Moura, mas um outro renascer surge no seu último trabalho “Casa Guilhermina”, onde assume a escrita para a sua própria voz. O êxito não se fez esperar e “Andorinhas” é o melhor exemplo: “Passo os meus dias em longas filas / Em aldeias, vilas e cidades / As andorinhas é que são rainhas / A voar as linhas da liberdade”.
Não se trata da avó Guilhermina, mas de ser personagem: “Lá vai ela, lá vai ela / Lá vai ela pela rua / Enquanto espreitam pela janela / Ela chega ao fim da rua”. Porque dançar junto não cansa, as coreografias pareciam ter saído da sombra de luz que chega ao coração. “E se o corpo balança, eu vou deixar” a dança balança como se o corpo fosse com pregos no cabelo onde a dor é tão menor que não se sente, as mãos asadas e os pés a voar. Nunca vou entender os pássaros pela vontade de pousar, estarei a ouvir ou a imaginar. Senhora das Dores, quero uma madrugada bem passada, sem dor, sem espadas. Abro os olhos e vejo uma guitarra tão bem tratada, creio que apaixonada por ele, por ela, pela Ana Moura.
A prima Cláudia, a alma gémea que se foi para uma outra dimensão, “que era uma pessoa extremamente alegre e nós tínhamos uma coisa que nos unia que era a herança angolana”, foi celebrada em canção pela fadista: “És a batida do meu coração / Diz-me o que é que eu faço / Sem o teu abraço / Falta mais uma dança / Para nos dar esperança”. É como riscar no chão o nosso coração. No futuro seremos uma memória apagada. Lá fora o vento demora a ficar sozinho, “cada dia é um bico d’Obra”.
Quando o fim se aproximava, “E se vocês / Não estivessem a meu lado / Então não havia fado / Nem fadistas como eu sou”, numa revisitação pelo tradicional.
A voz sim, tal como um instrumento vivo, “Vê como os búzios caíram virados pra norte / Pois eu vou mexer no destino, vou mudar-te a sorte”, um desejo que ergueu na plateia os pés no mais longo aplauso. Por isto e muito mais, a empresa Varzim Sol merece continuar a celebrar anos no Casino da Póvoa de Varzim.
Por: José Peixoto
Fotos: Rui Sousa