Voz da Póvoa
 
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NATAL PEQUENO

NATAL PEQUENO

Cultura | 24 Dezembro 2020

Logo que o cansaço o acomodou, como um cordeiro, ao regaço enternecido de Maria, já ele não dera conta de que, bem perto da janela a que, há pouco, a mãe tinha vindo sentar-se para ver cair a noite, também a rola brava  por ele arrulhava baixinho no beiral, antes que os primeiros flocos de neve transviassem os viandantes do caminho.

Atenta à respiração sobressaltada da criança, Maria aconchegou-o mais um pouco contra o peito, a pensar como, lá fora, a hera iria enregelar pelos muros brancos que cercavam os casais da Nazaré, no sonho que mãe e filho não tardaria a acontecer.

Maria, acordada, vigiando o sono regalado.

O menino entregue aos anjos, quando as palpebrazinhas adormentadas se fecharam de vez para que ele dormisse, então, profundamente.

Como naquela terra nunca assim tinha nevado, os telhados aproximaram-se, sem ninguém, mais uns dos outros, sob o manto de brancura que se foi estendendo a toda a aldeia até ser dia, altura em que já os riachos iam parando de correr como presa ante o olhar do caçador.

Das lareiras onde a lenha verde, trazida da floresta, crepitava, nuvenzinhas de fumo iam enchendo o lar com a bênção de Deus, enquanto lá fora, de outeiro em outeiro, os pastores da Galileia ficavam parados, sem saberem para onde ir, como pajens no presépio, não corressem o risco de perder o norte e, assim, poderem abrigar as ovelhas no redil.

Mais tarde, que horas seriam?, já com o toro de cipreste a ocupar a noite do serão, é que as crianças, com quem brincara todo o dia, foram chegando, com pézinhos-de-lã, para  que não despertar a atenção da vizinhança, e  então poderem partir no trenó, que em fantasia alguém ali deixara, a tempo de iniciar a viagem de sonho que os esperava.

Verdade seja dita que já vinham dois a dois, uns de mais perto, outros de povoados mais distantes para tomar assento no trenó que, prestes a partir, os levaria a parte incerta, porém não longe, sempre à vista das barbas brancas dos damasqueiros que, dispersos pelas colinas da Galileia tiritavam de frio, por falta de albornoz que os defendesse da intempérie e os agasalhasse atrás da pedra solta dos muros, que cercavam os casebres.

Foi assim que a parelha de renas, sem aviso, nem prodígio de milagre, deu largas à viagem que ia acontecer, decidindo não perder a ocasião de presentear Jesus, e todos os meninos, com a alegria sonhada de viajar nessa noite infinita.

Por isso, quando o trenó, a mando de ninguém, se pôs em marcha logo passou a subir e a descer veredas e ladeiras à velocidade estonteante de carrossel sem governo, tornando difícil de acreditar no que, deveras, estavam a sentir, ora tomando altura, ora baixando as rédeas, fazendo esquecer que no trenó fantástico, embora cada uma no seu lugar, iam crianças soltando risadas festivamente como nunca se viu.

Surpreendente foi o caso de a vertigem a todos levar a não dizer palavra, só a sorrir, apesar de não se saber qual o destino da viagem, qual a hora em que iriam regressar, talvez porque já depois de findar ainda se ficou a ouvir o tilintar das campainhas.

Agora, já se sabe o que verdadeiramente se passou.

Como na viagem dois Reis Magos, também jesus tinha aguardado que a estrela o conduzisse de volta ao lar da Nazaré.

Quando acordou, e ao colo de Maria reconheceu o sorriso do olhar materno, que por ele esperava ternamente, nem deu sequer pelas florinhas de neve no cabelo, que a Virgem-Mãe ia beijando, beijando, antes que o rouxinol viesse anunciar que, daí a pouco, seria um novo dia.

Texto: Virgílio Alberto Vieira / Fotografia: Manuel Roque

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