Orientando o pensamento para minha localização geográfica atual e sendo a Póvoa de Varzim uma terra intrinsecamente relacionada com o mar e com o além-mar, penso em mapas. Mapas são objetos do meu interesse, podem ser associados a ações, percursos, espaços e tempos, desenho, escrita. As cidades podem ser percorridas a pé ou de outra forma, as circunstâncias potenciam diferentes mapas do que se percepciona. Antes da sedentarização, a humanidade produziu objetos artísticos móveis, objetos que possivelmente seriam facilmente transportados nas rotas migratórias, sendo exemplo a “Vénus de Willendorf" cerca de 25.000 a. C.
Caminhar, migrar faz parte da condição humana assim como fazer mapas, desde o passado remoto que a Humanidade procura figurar e expressar o visível e o invisível, o pensamento, o som.
A sedentarização possibilitou o desenvolvimento das artes do fogo, as figuras e superfícies em cerâmica e o fabrico de objetos funcionais na olaria. A primeira forma de escrita remonta à Mesopotâmia, a escrita cuneiforme era feita sobre placas de argila, submetidas ao fogo e convertidas em objeto cerâmico devido à importância do texto. Do nomadismo às cidades, o processo evolutivo humano é caracterizado por múltiplas práticas artísticas que acompanham o desenvolvimento científico e tecnológico, ao longo da história as cidades concentram a múltiplas visões de mundo que se interligam e geram culturas.
As culturas são migrantes espaço-temporais que convivem e comunicam, encontram sintonias, viajando no tempo, a obra “Desterrado" do escultor Soares dos Reis (1847- 1889) iniciada na cidade de Roma, está visitável no Museu Nacional de Soares do Reis na cidade do Porto, a obra potencia a hiperligação entre as duas cidades, geograficamente e culturalmente, possivelmente também acentua a “saudade” como marca cultural.
Distante da geografia portuguesa, o artista plástico Artur Barrio (1945 - vive atualmente no Brasil) poderá ser exemplo de um percurso que não se fixou na geografia de raiz, mas explora a condição humana e o espaço social como matéria nas suas obras que materializam com diferentes materiais e expressões. O pintor Nadir Afonso (1920-2013) transportou múltiplas cidades para o plano pictórico, a cidade como matéria também pode ser portátil, a visão do pintor que se materializa na tela.
As cidades são compostos de matérias-primas e materiais, organizados para servir a ação humana sobre o meio e sobre si mesma, as obras da artista plástica Doris Salcedo (1958 - vive na Colômbia) exploram múltiplos materiais, invocam a complexidade da existência humana, problemas sociais comuns a diferentes cidades em contextos geopolíticos marcados pela indiferença e desrespeito pela vida, a escultura/ instalação "Uprooted" de 2023 poderá ser o exemplo mais recente do seu percurso artístico.
Neste contexto, entendo as cidades como espaços cheios de lugares organizados por planos urbanísticos mutáveis dependendo dos interesses. Os traçados urbanos e as soluções arquitetónicas são resultantes de diferentes linhas de pensamento, desenhos, que atravessam e ligam diferentes planos de tempo, diferentes realidades, permitindo uma coexistência do que já foi e do que é. As cidades são feitas por pessoas de gerações distintas, culturas por vezes distintas, contudo as cidades ficam, os vivos morrem.
Diferentes camadas de tempo juntam conhecimentos e saberes materializados em objetos, texturas, relevos caracterizam as ruas e os edifícios. Mapear a cidade é procurar essas marcas temporais, explorar novas possibilidades futuras para a experimentação plástica e visual, criar novos mapas. Ou seja, o que fazem os humanos (todos os animais) quando migram, exploram novas possibilidades futuras para viver.
Manuel Horta, escultor
(No Aniversáruio A Voz da Póvoa)