A arte que descende da arquitectura ou a liberdade que uma encomenda não tem. Certo é que o imaginário de quem trabalha a arte de construir, ergue em desenho o rascunho de uma outra arte, a arte de nos interrogar ou dizer quem somos. Abreu Pessegueiro mostrou-se na Galeria d’Arte da Clínica Ortopóvoa numa exposição colectiva “Tudo o que banha a luz é meu…” Agora regressa de corpo inteiro para a 33ª exposição catalogada, inaugurada no dia 23 de Maio.
Depois de conhecer o trabalho do artista-arquitecto numa exposição em Matosinhos “Paisagens do Imaginário” e da sua visita à exposição colectiva na Galeria, Afonso Pinhão Ferreira, director da Clínica, lançou o repto a Abreu Pessegueiro, daí as Litoralidades: “Acho que temos feito o nosso trabalho em prol da cultura, da arte, dos artistas e da comunidade”, referiu.
Quanto à exposição que pode visitar, “Abreu Pessegueiro sabe bem que toda a arte é representação e que toda a obra pede sempre um juízo, sendo um projecto de feição intelectual. A ilusão de escavado e de edificado solicitam uma evolução cultural e racional que o artista faz questão de disponibilizar em cada tela”, escreveu Afonso Pinhão Ferreira no catálogo.
“O processo de construção destes quadros é idêntico ao processo de construção de um projecto de arquitectura. Há uma ideia, os primeiros desenhos, os esboços iniciais que não sendo rigorosos são espontâneos, há mão livre, aquilo que as crianças dizem – são os rascunhos. E depois disso há a procura de formas com tendência para a geometria porque eu sou aquilo que se chama ‘tendencialmente’ um apolíneo, no sentido em que a razão é mais importante do que a expressão. Portanto, se eu faço isso, essa construção, os quadros também têm a ver um pouco com a lógica da arquitectura”, explicou o artista Abreu Pessegueiro.
E acrescentou: “Penso que os arquitectos-artistas tendencionalmente procuram desenvolver a luz. Na obra de arquitectura a luz é muito importante. Neste caso, não é só o processo, também desenvolvo o tema. Estes quadros não têm propriamente referências ao nosso quotidiano, contudo há aqui um quadro que eu chamei Póvoa. Porquê? É uma memória que eu tenho da Póvoa. E a memória é aquele paredão do porto de pesca da Póvoa de Varzim. Naquele quadro como nos outros o que aparece é a luz. O mar até ali é calmo, coisa que não aparece muito na Póvoa”.
A exposição apresenta 21obras catalogadas, duas extra catálogo, mas para a curadora Isabel Patim há outras novidades: “Temos aqui 25 anos do seu percurso que podemos revisitar em três ciclos. Cada um deles tem características diferentes. De qualquer forma o convite para esta galeria levou o arquitecto-pintor a produzir mais três obras sobre a Póvoa, e eu noto já nesse ciclo que poderá ser um novo início porque já não é só a tridimensionalidade, já não é a depuração total das matérias, mas já há movimento por causa do mar da Póvoa. Então, esse elemento de movimento está enquadrado na parte mais estática, aparentemente”. E revela ter sido “muito gratificante ter descoberto isso ao escolher as obras para o catálogo e não ter sido dito por ele. Foi uma descoberta”.
Os criativos e as pessoas sensíveis à criatividade só podem agradecer a oportunidade dispensada pela Galeria Ortopóvoa nos próximos três meses ou por quem vê na cultura uma janela aberta à inquietação, ao desassossego, ao deslumbramento ou à maior razão de sermos humanos, única espécie capaz de criar.
Texto e Fotografia: José Peixoto