Voz da Póvoa
 
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Litha

Litha

Cultura | 13 Dezembro 2025

 

 

No silêncio profundo do inverno do lado de lá do equador, quando a terra adormecia sob o peso do frio e da escuridão, os povos antigos acendiam fogueiras.

Não o faziam para celebrar um nascimento histórico, mas para convidar o Sol a retornar.

O Natal, muitas eras antes de ganhar sinos, presépios e montras iluminadas, era um ritual de sobrevivência espiritual: o Sol Invicto renascia no ponto mais escuro do ano, no Solstício de Inverno.

Naquela noite longa, o medo da escuridão eterna não se abatia sobre o coração dos homens: eles sabiam que a luz voltaria a reinar absoluta sobre as suas cabeças. Festejavam a promessa da vida que retomaria seu pulso, cuidando de fazer germinar as sementes enterradas no escuro, garantindo o pão e o vinho. O verde dos pinheiros, as guirlandas presas às portas, o fogo aceso… tudo simbolizava a eternidade da vida, da roda que nunca cessa, e invitava os elementais e seres da natureza a entrar, sabendo que naqueles lares eram presença bem-vinda.

Até que a religião decidiu dar novos nomes ao que a Terra já contava há milênios. O nascimento do menino-sol, do fogo que vence a noite, do salvador que ilumina o caminho. Nada fora criado. Tudo fora traduzido e envolto em uma nova roupagem, que furtou a magia das mãos dos homens comuns e a entregou ao conhecimento de poucos.

Entretanto, enquanto o Norte se curva ao frio e à introspeção, o Sul arde em plenitude.

Aqui, o Sol alcança o ápice de sua força, no mesmo ponto da Roda do Ano criada pelos povos antigos, cujo conhecimento ancestral cruzou os mares em busca de outras terras para fincar raízes, e encontrou, no Brasil, um lar para habitar, assim como o conhecimento ancestral de tantos outros povos que, por ventura, já existiam ou vieram cá parar.

Deste lado do mundo não se celebra o Yule, o solstício de Inverno ou a noite mais longa do ano. Antes pelo contrário: celebra-se Litha, o Solstício de Verão, a luz que transborda e se expande onde o fogo não é promessa e sim presença viva atestada pela terra fértil, madura e vibrante, onde o dia se demora a contemplar a criação.

Celebrar o “Natal” no Hemisfério Sul como se ainda estivéssemos na noite do inverno é ignorar o idioma da própria Terra. Litha não trata de renascimento, mas sim de consagração, onde o Sol é coroado rei, ainda que se saiba que, desse ponto em diante, cederá lentamente espaço à sombra. Por isso, é também um momento de ensinamento sobre Equilíbrio. Onde tudo o que nasce e cresce deve fenecer, para dar continuidade ao eterno ciclo da vida.

É o momento de honrar o divino não pedindo, mas agradecendo, Acendendo fogueiras não para convocar a luz, mas para refletir a luz que já existe dentro e fora.

Transformar o modo de celebrar o Natal no Sul do mundo é compreender que a natureza não se rende a datas criadas pela vontade humana, mas por fases que apenas obedecem a si mesma: no Norte, celebra-se a esperança. No Sul, celebra-se a plenitude, e ambas fazem parte da mesma roda sagrada.

Quando reconhecemos isso, o ritual deixa de ser repetição vazia e volta a ser o que sempre foi: um diálogo íntimo entre o ser humano e o ritmo vivo do planeta.

E a magia, então, torna-se palpável, transcendendo o calendário pois se revela ao escutarmos o murmúrio das águas, sentirmos o coração da terra, o abraço do vento que nos envolve e o calor do fogo que nos aquece.

É estar em comunhão com deus!

 

Maria Luiza Alba Pombo, escritora

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