Maria, com seus 4 aninhos de idade e esperta barbaridade, chega em casa com um saco de rebuçados e me diz, toda faceira:
— Mãe, tenho um rebuçado para ti e um para mim!
Pôs a pequenina mão ao queixo e pensou melhor, então reformulou a afirmação:
— Quer dizer, tenho muitos. Mas posso dar te um, se quiseres.
Queres UM?
(Com uma ênfase na unidade de fazer vacilar a vontade de qualquer guloso!)
E sem deixar que eu respondesse à questão, dispara à queima-roupa:
— Tenho vermelhos e um verde, posso dar te um verde.
Queres um verde?
Olhei-a bem no fundo dos olhinhos e já conhecendo o poder de manipulação da cria, que já veio ao mundo sabendo exatamente o que quer, decidi lixar-lhe os planos de me empurrar o rebuçado que ela não queria comer, enquanto dissimulava estar a ser muito simpática e lhe mostrei que, como se diz no bom e sonoro brasileiro, "com a mamãe não, neném":
— Obrigada, filha! És muito generosa! Mas quero um vermelho, o verde não me apetece.
— Ah mamãe, mas o verde é mais saboroso!
Falou enquanto lambia os beiços e acariciava o estômago.
— É filha? Então podes comê-lo tu. Deixo-o para ti.
Quero um vermelho, por favor.
E nesse momento, quando a guria percebe que não vai ganhar a luta, faz beicinho, aperta o saco contra o peito como se fosse o mais precioso de todos os tesouros do Universo, e a chorar, diz:
— Mas eu não gosto do verde, eu gosto dos vermelhos e queria comê-los todos!
— Pronto, minha filha, sendo assim eu não quero nenhum. Muito obrigada.
E ela, muito indignada, dá-me as costas e, a sair do quarto, retruca:
— Então está bem, quem perde és tu porque o verde era mesmo saboroso...
Ouço, então, um grito vindo do corredor e dirigido à cozinha:
— Pai! Tenho um rebuçado para mim e um para ti. Queres UM rebuçado VERDE?...
Não consegue ser peixinho quem nasceu para tubarão!
Texto: Maria Beck Pombo
Ilustração: Karoline Toneti Diehl