Ela plantava runas no chão, enquanto adubava o sonho concretizado.
Sob o intenso sol de primavera, a terra que tocava as suas mãos também confortava o seu coração e a gratidão a abraçava ternamente, cobrindo a sua pele, penetrando cada poro, cicatrizando as feridas abertas, trazendo paz ao seu espírito.
Sentia a vida pulsar ao seu redor e o coração da terra a bater no mesmo compasso que o seu.
Tão longe de casa Ela iniciou a sua jornada em busca de si mesma…
Em terras lusitanas deixou uma casa vazia e uma saudade. Partiu, com o coração em ruínas, como se cada pedra da calçada de Lisboa conhecesse a sua dor. Mas levou consigo a certeza de que o solo gaúcho era o remédio que lhe curaria a alma.
Itaara, com o seu céu largo e sua paisagem verdejante, acolheu-a sem questionar.
Da casa que a chamara de além-mar, fez o seu retiro mágico, plantando no quintal, em espiral, cada semente esculpida em madeira, com o alfabeto que aprendera ainda muito guria, antes de saber que era destino seu beber da fonte do conhecimento mágico na própria nascente.
Fehu foi a primeira: a runa da abundância. Não de ouro apenas, mas também de tempo. De silêncio. De raiz.
Com as mãos na terra húmida, reencontrou o valor de si mesma.
Uruz veio em seguida, trazendo a sua força vital, estimulando a sua auto compreensão.
Ao empunhar a enxada, sentia o cansaço físico, mas, ao mesmo tempo, o vigor. A cada “semente” lançada, enterrava uma mágoa, como se dissesse: “fica”.
Chegara o tempo em que não mais chorava lágrimas de abandono, amordaçadas entre os canteiros, pois Berkano, a runa da cura e do renascimento feminino, cresceu entre o alecrim.
E ao redor, a natureza conspirava em segredo: a brisa embalava os seus pensamentos e fazia dançar as folhas das árvores, cúmplices de um processo invisível, mas real.
Ela falava abertamente com a terra, contava-lhe os seus desassossegos e ouvia os seus conselhos, carregados de uma sabedoria que remonta ao início eras.
Ouviu o sussurro de Ansuz, a oferecer-lhe respostas nas madrugadas claras, onde as estrelas eram ofuscadas pela luz da lua cheia.
Ela sabia, no seu íntimo, que não estava só, nunca esteve. Experimentou dias de dúvida. Teve noites de frio que cobertor algum aquecia, mas Sowilo desenhou-se no céu sempre que Ela pensava em desistir, trazendo a luz do sol e a clareza de pensamento aos olhos dela.
Itaara ensinara-lhe uma grande lição:
Que o amor, quando brota de dentro, floresce fora.
Que o coração, ao alinhar-se com o ritmo da terra, aprende a escutar o que antes era silêncio.
Hoje, ela planta a magia como quem rega destinos, para vê-los florescer e dar frutos ao Universo.
Cada símbolo, cada ensinamento, cada ritual carrega consigo um pedaço da sua história e quando o vento uiva entre as árvores que ela mesma cuidou, traz com ele uma certeza serena: não foi só um lugar novo que encontrou. Foi a si mesma.
De olhos postos no róseo horizonte do entardecer de Itaara, compreendeu que não é preciso fugir da dor, mas sim ouvi-la, cavá-la, plantá-la e aguardar a transmutação.
Porque tudo floresce, quando há paciência e luz.
A vida não pede pressa, pede presença...
E coragem para recomeçar quantas vezes for preciso!
Maria Luiza Alba Pomb