Voz da Póvoa
 
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Em Casa de Abril Ainda Mora a Liberdade

Em Casa de Abril Ainda Mora a Liberdade

Cultura | 29 Abril 2020

Nascemos livres, aprisionados pelo cordão umbilical. Depois, a condição de cada um não decide o futuro, mas quase sempre condiciona. Tempos houve em que nascer era uma aventura perigosa. Quando Abril acordou com cravos vermelhos, o país debatia-se com elevadas taxas de mortalidade infantil e materna, que nos situaram nos indicadores mais negativos da Europa Ocidental. Os anos e o Serviço Nacional de Saúde (SNS), fundado pela democracia, trouxeram valores de sucesso nos nascimentos, ao nível dos melhores do mundo, mas também programas de vacinação gratuita, que permitiram erradicar algumas doenças infecciosas e controlar outras.

Hoje, há poucas dúvidas, quanto à eficácia no combate ao novo coronavírus se não existisse o SNS, uma conquista de Abril. Olhando o que se passa pelo mundo da pandemia, uma das lições que podemos tirar é que a maior ameaça não é do vírus, mas da incapacidade de os sistemas públicos de saúde, em cada pais que ainda os mantém, responderem à emergência actual e outras, resultado de anos de cegos cortes, na saúde e nas políticas sociais, e de amigas privatizações, que os governos fizeram.

O sociólogo e especialista na área da cidadania, Boaventura de Sousa Santos, em entrevista à Lusa, disse que, “a continuar este modelo de desenvolvimento, haverá outras pandemias, que tenderão a ser mais mortíferas e tenderão a propagar-se mais rapidamente”. E acrescentou que desde 1980 “à medida que o neoliberalismo se foi impondo como a versão dominante do capitalismo, e este se foi sujeitando mais e mais à lógica do setor financeiro, o mundo tem vivido em permanente estado de crise, porque só assim se justificam os cortes e o desinvestimento nas políticas sociais, que têm como objetivo legitimar a concentração de riqueza”.

Acrescento apenas que a revolução dos capitães acabou, com o tempo, por gerar uma democracia pouco habitual na Europa de hoje, onde o neoliberalismo parece ter assumido o papel de Besta. Os sinais de erosão sempre foram uma ameaça, porque se agarram à velha ignorância. É só por isso que a nossa distração permitiu o Chega(r) dos populismos que nunca conseguiram oferecer ao povo mais que a fome.

Os dias intimistas da liberdade levaram gente, a quente ou a frio, a emitir opinião (um direito que não tinham antes) sobre a celebração, na Assembleia da República, de evocação da madrugada de 25 de Abril de 1974. Só quem não sabe nada de Igualdade, Fraternidade, Liberdade ou Solidariedade e não comeu o lado de dentro do troço da couve, descascou com os dentes o nabo arrancado à terra e lavado na erva da rodeira, comeu o doce chorão das dunas, uma sopa de água e couves ou uma refeição de ar e vento, acompanhada pelo pão que o diabo amassou, é que é capaz de dizer que também o 25 de Abril deveria ficar de quarentena.

 

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