No dia 12 de Julho, teve lugar uma conferência promovida pela Fundação Gramaxo de Oliveira, em Matosinhos, na qual foi orador António Ventura, Professor Catedrático Emérito da Faculdade de Letras de Lisboa, sendo o tema «As Ligas dos Direitos do Homem em Portugal. 120 Anos em defesa dos Direitos Humanos». Perante uma assistência muito interessada, na qual se distinguia D. Manuel Linda, Bispo do Porto, o Presidente da Fundação, Dr. Afonso de Barros Queiroz, apresentou o conferente, salientando que o tema da palestra não podia ser mais actual e oportuno. António Ventura começou por referiu que existiram em Portugal duas organizações com a designação de Liga dos Direitos do Homem. A primeira, surgiu em 14 de Junho de 1907, sob o impulso do republicano Fernão Botto Machado, e a segunda, denominada Liga Portuguesa de Defesa dos Direitos do Homem, foi dinamizada pelo Dr. Macedo de Bragança. Esta última teve como órgão o periódico Justiça, com seis números publicados em 1912, ano em que dirigiu uma representação ao Parlamento, a favor da liberdade individual e do projecto de Habeas Corpus. Dois anos mais tarde, desenvolveu uma campanha de apoio ao português Alberto de Oliveira Coelho, condenado à morte por homicídio em Inglaterra, empenhamento compensado pela intervenção do rei Jorge V e pela comutação da pena. A 3 de Abril de 1921, no salão do Ateneu Comercial de Lisboa, decorreu uma sessão presidida por Teófilo Braga, na qual foi apresentada a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem (LPDH), que parece constituir uma ressurreição da anterior. Tal como a antecessora, inspirava-se na Liga dos Direitos do Homem e do Cidadão, fundada em Paris, a 4 de Junho de 1898. A iniciativa partiu de Sebastião de Magalhães Lima, o primeiro presidente da organização. A Liga propunha-se combater o abuso da autoridade, a ilegalidade, o arbítrio, a intolerância, o facciosismo e atentados à humanidade, assente no pressuposto da correspondência entre direitos e deveres. Poderia intervir na vida política e administrativa do Estado, nunca como participante do poder executivo, mas através de representações, publicações, comícios e conferências. Os estatutos, aprovados em 21 de Abril de 1922, previam a existência de um Conselho Jurídico, uma Comissão de Estudos Sociais e Económicos e uma Comissão de Propaganda. Foram estabelecidas relações com a Federação Internacional das Ligas dos Direitos do Homem, fundada em Paris, em 1922, por uma dezena de ligas nacionais. Em Outubro de 1925, a LPDH publicou uma nota sobre a situação dos presos sem culpa formada detidos nas esquadras de Lisboa, com a uma lista pormenorizada de todos os detidos, data da prisão e local onde se encontravam. Ocupou-se igualmente de temas como a prostituição e a situação nos hospitais civis; por outro lado, censurou as touradas e os combates de boxe. Existe uma grande carência de fontes que permitam reconstituir a vida da LPDH depois do 28 de Maio de 1926, Em 1929, conheceu uma certa revitalização, funcionando provisoriamente na sede da Associação do Registo Civil, em Lisboa. Em Maio de 1930, registava a entrada de novos sócios, entre os quais Adelino da Palma Carlos, Ladislau Batalha, Alfredo Guisado, Germano Martins e Elina Guimarães.
Em Agosto de 1930, o Conselho Jurídico foi encarregado de elaborar um projecto de lei que considerasse homicídios voluntários os atropelamentos por automóveis de que resultasse morte, e proibisse a venda e circulação de automóveis, camiões e camionetas avariadas, sujeitando-os a vistorias. Decidiu igualmente apoiar o movimento em favor de Joaquim Pita Soares, condenado à morte nos Estados Unidos da América do Norte, por homicídio, no sentido de obter do governo americano a comutação da pena, que acabou por ser transformada em prisão perpétua pelo Governador do Estado de Massachusetts.
A situação nacional, resultante da consolidação do Estado Novo, pesou no decréscimo das iniciativas da Liga. Durante vários anos, não existem referências a actividades, só vindo a ser reorganizada em 1941. Em 1945, tinha Carlos Lemos como Presidente e José de Macedo como Vice-presidente. Propunha-se formar núcleos distritais e estudantis e a organização de congressos ordinários anuais, sem consequências práticas, mas não ficou alheada da situação política nacional, apoiando o Movimento da União Democrática (MUD), pese embora a neutralidade política, em defesa estrita da dignidade humana. O mesmo sucedeu em 1949, por ocasião das eleições presidenciais e da candidatura do general Norton de Matos. Foi distribuído um folheto em português, editado pelas Nações Unidas, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em Junho de 1952, publicou uma brochura com o texto oficial da Declaração Universal dos Direitos do Homem e a acta da assembleia celebrada em Paris, em 31 de Outubro de 1948, para reorganização da Federação Internacional das Ligas, à qual a LPDH aderiu. Ao mesmo tempo, foi impressa uma nova edição dos seus estatutos e dos que regiam a Federação Internacional dos Direitos do Homem (1948). Entre 1954 e 1956, as informações sobre a LPDH são escassas. Nota-se uma certa revitalização em 1958, no rescaldo da campanha eleitoral do general Humberto Delgado, sublinhando o facto de ser uma secção da Fédération Internationale des Droits de l’Homme, organização não governamental do Conselho Económico e Social das Nações Unidas – Estatuto Consultivo B. Foi publicado um boletim-circular referente a Janeiro-Junho de 1960, mas, a 31 de Outubro de 1960, a PIDE procedeu a uma busca e apreendeu o arquivo da Liga, que nunca foi recuperado. Os corpos gerentes eleitos naquele ano estiveram em funções em 1965.
Em 1966, possivelmente em Agosto, a LPDH foi contactada pela Amnesty International, através de Maureen Teitelbaum, responsável pelo Investigation Bureau da organização. Em 3 de Julho de 1969, a Liga foi notificada pelo Gabinete da Presidência do Conselho, porque os seus estatutos não tinham sido aprovados nos termos do decreto-lei 39660, de 20 de Maio de 1954, o que motivou uma resposta através do Conselho Jurídico, esclarecendo que Liga existia legalmente desde 21 de Abril de 1922, data em que foram aprovados os Estatutos; o decreto-lei visando a regulamentar o direito de associação conferido pela Constituição Política de 1933, só seria aplicável às associações constituídas depois de 20 de Maio de 1954, e nele não existiam quaisquer disposições que obrigassem as associações já existentes e com existência legal, como era o caso da Liga, a praticar novas formalidades para conservarem a existência legal. A situação de incerteza arrastou-se. Em 1973, o governo ainda não tinha respondido ao parecer do Conselho Jurídico da Liga.
Em Dezembro de 1973, anunciava-se uma renovação dos órgãos gerentes da LPDH. As eleições para o triénio 1974-1977 ainda se realizaram antes do 25 de Abril, mantendo-se em funções até 1976; porém, as mudanças políticas ocorridas em Abril de 1974 afectaram a Liga, porque muitos dos membros em funções assumiram responsabilidades nos partidos e organizações, ou no desempenho de cargos públicos. O clima político, prevalecente nos anos subsequentes ao 25 de Abril, reflectiu-se na LPDH. A atribuição do galardão dos Direitos Humanos a Mário Soares e a presença - ou não - da Liga num jantar de homenagem motivaram a crispação entre os membros da instituição. Sob acusações de partidarismo e de benevolência com os regimes do Leste, demitiram-se alguns membros do Directório. Nesse contexto, Carlos Vilhena assumia a presidência interina. A imprensa da época deu eco da polémica, tendo publicado alguns documentos. As divergências suscitaram a apresentação de duas listas às eleições de 1978, facto inédito na história da Liga. As relações partidárias não constituíam a única explicação para a clivagem, uma vez que em ambas as listas encontramos membros dos mesmos partidos. Na sessão plenária da Assembleia da República de 13 de Setembro de 1978, Sottomayor Cardia recordava a acção da LPDH e dos membros na luta contra o regime deposto em 1974. Em 1989 foi fundada uma outra associação com objectivos similares, a CIVITAS – Associação para a defesa e promoção dos direitos do cidadão, que realizou a sua 1ª Assembleia-Geral, presidida por Magalhães Mota.
A 15 de Dezembro de 2008 ocorreu a fusão da LPDH com a CIVITAS, passando esta a ter a actual denominação de Liga Portuguesa dos Direitos Humanos – Civitas, assumindo a herança da Liga fundada em 1921 e que constituiu a mais antiga associação de defesa dos Direitos Humanos existente em Portugal.
No final da conferência, foram feitos alguns comentários e colocadas diversas questões ao orador.
Texto cedido pela Fundação Gramaxo de Oliveira
Fotos: Rui Sousa