Voz da Póvoa
 
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De presente, o passado

De presente, o passado

Cultura | 11 Dezembro 2020

“Deixei o sapatinho / Na janela do quintal. O Papai Noel deixou / Meu presente de Natal…”

Era assim que eu cantava, quando miúda, mal começava a aproximar-se o Natal.

Minha avó enfeitava a árvore, cuidadosamente iluminada, e punha à sua sombra pedaços de sonhos envoltos em papel estampado e fita.

Eu, que não conhecia época natalícia desprovida de um “calor de rachar”, perguntava-me vez por outra: por que raios minhas prendas eram trazidas por um ‘esquimó’ vestido de vermelho, a conduzir uma carreta puxada por ‘cavalos’ voadores com aspas que nunca vi no meu rincão?

E como fazia para adentrar as casas que, como a minha, não tinham chaminé?

Nunca percebi o problema do Pai Natal com as portas…

É claro que todas essas indagações davam espaço ao incrível sentimento de alegria que contagiava-me o espírito ao abrir o primeiro embrulho.

E assim era feliz, sem saber que o Natal dos meus bisavós tinha um significado muito mais nobre que a simples troca de presentes deixados por um velhote que trazia um saco nas costas e uma coca-cola na mão.

Do dia vinte e quatro de dezembro ao dia seis de janeiro tinha lugar o Ciclo Natalino e durante ele várias festividades eram realizadas para celebrar não só a chegada do “menino”, como também a visita dos três Reis Magos, que eram incorporados por pais e padrinhos no dia seis de janeiro, ao deixar aos seus próprios meninos pequenas prendas, dentro dos sapatinhos pendurados do lado de fora da porta de cada rancho.

Trazidas de Portugal, as danças da Jardineira e Pau de Fitas eram o topo da animação com seus piás travestidos de prendas, a exibir lindos vestidos de chita drapeados de fita mimosa e curiosas máscaras femininas a cobrir barba e bigode.

Dançavam “elas” à volta de um mastro que sustentava tantas fitas coloridas quantas “dançarinas” fossem, a trançar e desentrançar padrões que encantavam os olhos do público.

Era uma época em que festejava-se a tradição, aquilo tudo que reafirmava o gaúcho enquanto povo, com todas as influências dos povos que deixaram gravadas em nosso sangue as marcas de uma cultura ancestral.

Tudo aquilo que tornava-nos criaturas peculiares.

É Natal e o sentimento de partilha espalha-se pelo ar, mas, no entanto, na ânsia de fazer parte, ao invés de ganhar perdemos parte da nossa identidade.

Por vezes de facto é necessário dividir para (re)conquistar!

 

Texto: Maria Beck Pombo / Ilustrações: Manuel Maio

 

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