Continuando o propósito de dar a conhecer aos mais novos como era o dia a dia do Diana Bar nos anos 60/70 do século XX vamos hoje falar dos personagens que povoavam aquele território.
O relógio da Igreja de São José acaba de bater as oito horas quando o Sr. José Maria abre as portas do Diana Bar.
Vão entrando os primeiros clientes, a maioria estudantes universitários, instalam-se nas mesas do Rés-do-chão que têm como suas, aqui o Meira, ali o Casanova, acolá o Arlindo e por ali todos outros.
José Régio o escritor de Vila do Conde que na Póvoa muito escreve, chega bem cedo à sua mesa no primeiro piso virada para o mar.
Pouco antes das 11 horas invade o salão o inconfundível aroma do café de saco acabado de fazer. É para os irmãos Quintas, que acabam de se sentar na mesa habitual no centro do piso térreo, todos de fato escuro, gravata discreta e bigode aparado. O vendedor de bilhetes da lotaria, Chaga por alcunha, apressa o seu passo arrastado com a esperança improvável de que algum dos irmãos lhe compre uma cautela.
Depois de almoço cresce uma certa agitação Primeiro o professorado com as suas vozes poderosas. Depois ruidosos estudantes do 12º ano (7 º ano naquele tempo) com o pesadelo dos “exames de aptidão” à universidade que lhes permitirá adiar a incorporação no serviço militar obrigatório. Quem pode recorre a explicações ministradas no próprio Diana Bar por professores com disponibilidade na agenda.
É também o tempo de algumas personagens fascinantes.
O senhor Martinho. Ainda não são 3 da tarde quando o afável Sr. Martinho se dirige à sua mesa habitual no primeiro andar com vista para o piso térreo. Não precisa de pedir o pingo de cevada, o Sr. José Maria antecipando o pedido acaba de o servir. Gastará a tarde com um sorriso no rosto dedilhando no tampo da mesa as cordas do seu violino. Fazer da música a sua vida custara-lhe o ostracismo a que a família da mulher, proprietários da Ourivesaria Gomes, o devotou. Valeu-lhe o filho funcionário do Serviços Municipalizados.
As donas de casa. Chegam pelas 15.00 com os maridos a reboque, rapidamente despachados para mesas com outros que tais. Assim, libertas da presença masculina, mais à vontade comentam entradas e saídas, trocam novidades, receitas e bordados.
O Barão. O Carreirnha mora de favor numa casa do Dr Marins da Fonte em Averomar. Sem dia certo mas sempre de tarde estaciona à porta do Diana Bar a bicicleta colorida com um único pedal, a tanto o obrigou a imobilização da perna esquerda, sobe ao 1º andar exuberante nos seus fatos de cores vivas, anéis vistosos, escolhe mesa onde seja visto e passa a tarde a bebericar uma espécie de mazagran (café frio despejado num copo com água e uma casca de limão graciosamente oferecida pelo Sr. José Maria). É pouco dado a conversar, porém se alguém o saúda chamando-lhe “Senhor Barão”, solta-se-lhe a imaginação, desata as palavras e nascem espantosas histórias de aventuras em que ele, o Barão, é o protagonista.
O coronel na reserva, solteiro, com os setenta anos já passados, pleno de actividade, é uma figura respeitada pela simpatia e educação. Entre o ténis no Desportivo, umas idas ao Casino e longas conversas nas tardes do Diana Bar, leva uma vida transparente. Porém mantém reserva sobre o propósito das misteriosas escapadas que todas as semanas, à quarta-feira, o levam a apanhar em frente da Farmácia da Praia, a camioneta do Linhares com destino ao Porto, regressando no dia seguinte. Quando confrontado, pelos amigos, com as muitas especulações, todas elas no sentido de que se trata de íntima visita a uma protegida, remete-se ao mais profundo silêncio nunca quebrado.
Às cinco horas chás, galões, torradas e sandes mistas de fiambre e queijo em pão bijou e de forma, começam a sair para as mesas das “donas de casa” respeitando um extenso rol de especificações desde a quantidade de manteiga nas torradas passando pela temperatura das chávenas e do chá, a quantidade de café dos galões, etc, etc.
Por volta das seis horas os senhores Póvoas, Caimoto, Ferreira e Geraldes, funcionários superiores da Câmara Municipal, das Finanças dos Serviços Municipalizados e do notariado, passam em revista a actualidade local e nacional.
Por ser objecto de abundantes referências bibliográficas, aqui apenas dou breve notícia da tertúlia de prestigiadas figuras da cultura que, quando as circunstâncias se proporcionam, reúne no Diana Bar sem temas nem agenda pré definidos. Amaro, João Marques, Flávio Gonçalves, Taipa, José Régio, Manuel Lopes contam-se entre os participantes assíduos, mais esporadicamente Manuel de Oliveira e Augustina.
Pelas 19,00 horas encerram-se as portas de mais um dia de Inverno no Diana Bar.
João Sousa Lima