A Conferência de Abertura da 24.ª edição do Correntes d’Escritas encheu, no dia 15 de Fevereiro, o Cine-Teatro Garrett, de gente interessada em ouvir Manuel Sobrinho Simões, médico, professor emérito da Universidade do Porto e especialista em diagnóstico e investigação em cancro com ênfase em oncobiologia e cancro da tiróide. É também autor de centenas de publicações científicas, e prémio Pessoa.
O discorrer das palavras de Manuel Sobrinho Simões que aportaram na “Ciência e Cultura” foram moderadas por José Carlos Vasconcelos, que do médico, disse que “tem esse dom fantástico de surpreender e contar histórias com esta simplicidade e comunicabilidade”.
Começou por dizer que era um biólogo como sendo a sua primeira limitação para falar de literatura: “Sou um biólogo que faz diagnóstico de cancro e o meu mundo é muito diferente do vosso. Eu aprendi muito mais nos romances que leio do que em tratados de medicina sobre as pessoas. Quando estávamos a discutir do que iríamos falar sobre ‘Ciência e Cultura’ podiam pensar que iria discutir muito uma ciência pura e dura. Creio que qualquer dia descobrimos o controlo da maior parte dos cancros, não tenho dúvidas, em 30 anos nós vamos resolver esse problema”.
Para Manuel Sobrinho Simões o que não conseguimos resolver está na cabeça: “A ‘Cabeçola’ é que tem que resolver o problema e agora com a longevidade crescente e os problemas sociais, cada vez temos mais dificuldades em lidar com o mau estar e as perturbações”. E acrescentando que, “nas coisas puras e duras é muito mais importante a pessoa do que, por exemplo, os genes ou os sintomas. E por estranho que parece, nós estamos a ter cada vez mais necessidade, no fundo, de ciências sociais. Já somos muito bons em psicologia individual, mas precisamos imenso melhorar na psicologia social. Em Portugal e em muitos sítios do mundo somos muito maus nas coisas que são sociais”. Isto resulta de um cada vez maior individualismo das pessoas.
A ciência ao longo dos tempos traçou como missão ajudar as pessoas, mas o seu caminho para ser bem-sucedida, passa por relevar a saúde mental. A compreensão da doença traduz-se em entender a natureza e a humanidade através da cultura. “Só conseguimos aprender quando convivemos com pessoas de outras características e outras realidades, e a leitura é o veículo ideal para essa compreensão. Aprender para partilhar conhecimento, como se verificou com a descoberta dos genes, o evento mais marcante da cultura científica”.
Manuel Sobrinho Simões segredou à plateia que é muito torrencial e “às vezes perco-me e é uma chatice”, mas de regresso ao fio condutor da conferência disse que “a ‘ciência pura e dura’ está condenada a ser substituída pelas ciências sociais e de humanidade, num caminho de preocupação com a saúde ao invés da doença, uma evolução científica sensível que priorize o nós em vez do eu”.
Talvez para que nos centremos na vida que nos interessa, o professor deixou-nos esta reflexão: “É verdade que eu passava a vida no estrangeiro e vim aqui hoje porque a grande aspiração do Ser humano, e sendo um professor por maioria de razão, não é ensinar, mas é aprender. Nós só conseguimos aprender se formos colocados perante pessoas diferentes com outras características. Quando ia para o sítio X, Y ou Z, eu aprendia muitas coisas de novo. Conto-vos isto porque eu adoro ler, mas não tenho curiosidade nenhuma em saber da vida sexual do escaravelho, não me interessa, pode ser uma coisa interessantíssima, mas não me interessa”.