Algo misterioso, uma ilha, Açores, mas quem não vive numa ilha não habita a viagem da poesia. Só vive no imaginário dos barcos, dos navios, que trazem que levam a sua vontade de naufragar. Nós somos do mar, do mar da Póvoa, do mar rural onde os terrenos de sal dão peixe.
Há quem numa sexta-feira 13 tenha realizado na Fundação Dr. Luís Rainha o 13º Ciclo Aberto com o episódio “A poesia no Natal e na Vida” de Ivo Machado, poeta convidado. Com a coordenação de Aurelino Costa e de Sousa Lima, antes de tudo, o Mar enrolou na areia na voz de Diana Silva em representação do coro Capela Marta júnior, que foi acompanhada ao piano pelo maestro Tiago Pereira.
Aurelino apresentou o poeta e deixou o “fogo incontrolável” com a revelação de que “o poema não esclarece, interroga ou convoca”. A tragédia de Valência ergueu poemas e pinturas, a arte da dor. “E no mar estava escrita uma cidade” revelou Carlos Drummond de Andrade.
Ivo Machado tinha a ilha como miradouro de onde “via o mundo”. Saiu pela primeira vez da ilha Terceira, de Barco, aos 10 anos e aos 17 já conhecia todas as ilhas dos Açores. “Era o mar ou eu ou ele em mim”. Quando partimos para outros lugares, “habitamos a saudade do ventre da terra” se o Ivo não disse estas palavras foi o que o meu ouvido quis ouvir, e isso acontece “em todos os lugares do mundo, em todas as geografias”. O primeiro editor de Pablo Neruda foi um açoriano da ilha do Corvo, Carlos George Nascimento.
Há quem adivinhe o futuro, “dois dias depois de eu nascer o vulcão dos Capelinhos apagou, pelo menos calou-se”. Depois num tempo de novidade “cresci com a saudade dos meus espalhados por todo o mundo. Ficávamos a aguardar a chegada dos postais”. Em Dezembro a árvore era “decorada com postais de Natal de primos e outros que viviam fora”, da ilha “tudo isto passou para a minha poesia”.
E de tanto ouvir falar “a electricidade chegou aos Biscoitos no norte da ilha, um mês antes do 25 de Abril”. A forma de Biscoitos retrata a erupção do vulcão na ilha Terceira há alguns séculos atrás. A formação rochosa é inigualável, mas “um poema não é uma rosa dentro de uma jarra”, mesmo que bela. Para Ivo Machado “a poesia é o único território possível de habitar”. As guerras justificam o inabitável do coração “a poesia pode ser também um registo”, o que fica de quem parte. Mas, “não me surpreende o desassossego de Deus nos tempos que existimos”. Entre o massacre e o genocídio “uma coisa não justifica a outra”.
Conviveu com o grande compositor Fernando Lopes Graça, que agarrou as ‘sete breves canções do mar dos Açores’ de Ivo Machado e as ofereceu numa partitura, “acabámos por nos conhecer e manter uma amizade até hoje, mesmo que tenha partido em 1994”. Também, Onésimo Teotónio deixou-se enrolar nos seus bigodes pela mão da filha bebé de Ivo Machado. “O Eugénio de Andrade ajudou-me com a sua poesia e eu ainda não o conhecia. O mesmo aconteceu com a poesia de Florbela Espanca”.
Há também uma arte plástica no poeta açoriano, “olho o menino por quanto o amor inspira e pinto”. Para que fossemos embora de coração cheio, Aurelino Costa descobriu palavras e poemas “ali está um anjo devolvendo o amor”, mas é inquietante perceber que “cada vez o teu reino é menos deste mundo”. A esperança dotou-a a Natália Correia “Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer”.
Por: José Peixoto