A neblina cor de prata levantava-se do chão, em silêncio.
Contrastava, no horizonte, com o verde profundo da vegetação e fundia-se com o céu cor de chumbo que o dia trazia.
Enquanto, na companhia da filha, Ela traçava o caminho entre a casa e a paragem de autocarros, a Preguiça encolhia-se e o corpo despertava, frustrando os planos d’Ela de enfiar-se por mais alguns momentos entre o aconchego morno dos lençóis.
O outono sempre fora mais vibrante desse lado do Atlântico, recusava-se a ceder ao dourado das folhas que preenchiam as ruas das bandas de lá, provocando uma leve saudade das manhãs de outrora.
Não havia mais passeios à beira da praia, nem a nortada gelada que insistia em emaranhar os seus cabelos e partir os chapéus de chuva dos mais desavisados.
Não havia mais as caminhadas noturnas entre o camping e a pequena aldeia de Lamas de Mouro, nem as tardes de escrita em sua mesa cativa no Bar das Azenhas defronte ao rio de Vilar de Mouros.
Mas nem sequer todas essas doces lembranças eram suficientes para nublar a felicidade que sentia por, finalmente, encontrar o lugar a que pertencia.
Sentada na varanda, a observar o extenso quintal com que tanto sonhara, fitando as frutas de todas as cores que abundavam nos galhos ao ponto de pintarem o chão, os beija-flores que surgiam por entre os ramos e pairavam no ar com o seu ar curioso, a olhar diretamente para Ela, sentiu-se verdadeiramente em paz.
Pela primeira vez em muito tempo, quiçá em toda a sua vida, não desejou viajar para além dessa existência, resistiu à Soberba que lhe acompanhava e a fazia crer que não tinha lugar nesse mundo, pois era “boa demais” para ele.
Concluiu que evoluir não significava desapegar-se das coisas mundanas, e sim desfrutar delas com consciência e respeito.
Deixar que situações e sentimentos revelem o melhor, mas, principalmente, o pior de nós e aprender a abraçar as nossas sombras de modo a iluminá-las, sem deixar-se engolir por elas.
Estava grata por voltar às suas raízes, pela pequena cidade que escolhera para fincar as dela, pela casa que, em breve e felizmente, tornar-se-á pequena demais para abrigar a amorosa família de três, acrescida da gata para lá de independente.
A pensar em todas essas coisas sorriu, inspirou o ar húmido e gelado que lhe aqueceu o coração e derrubou uma lágrima de felicidade por ter encontrado a riqueza que tanto procurara.
Para uma alma antiga, tesouro algum vale mais que a família e uma casa na floresta!
Maria Luiza Alba Pombo, escritora