Diria que seriam outros ‘quinhentos’ se não fossem assinalados na Fundação Dr. Luís Rainha. Luís de Camões, tal como Cristo, não há certeza na data de nascimento, mas andará pela última dezena de dias de Janeiro de há cinco séculos. O importante mesmo é o seu legado, uma obra eterna. Quanto ao poeta, suscitará sempre a curiosidade de quem o procura conhecer melhor, como foi o caso de Isabel Rio Novo, professora, escritora, investigadora e biógrafa de Luís Vaz de Camões, na notável obra, “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte”.
A convidada do 11.º Ciclo Aberto, de 4 de Outubro, folheou a memória do poeta em documentos consultados, alguns inéditos, numa aturada pesquisa que fez nos últimos cinco anos.
Desta vez, as primeiras palavras foram pronunciadas pelo coordenador Sousa Lima, que agradeceu toda a colaboração prestada por Aurelino Costa desde a primeira hora no Ciclo Aberto. Celebrar Camões “é um imperativo patriótico” reconhecendo que escrever a Biografia de Camões foi “um acto de grande coragem que veio para maravilhar os leitores”, e concluiu: “estamos todos aqui para aprender”.
Depois, seguiu-se um diálogo às vezes poético entre Aurelino Costa e Isabel Rio Novo, que soube sempre respirar cada passo de Luís de Camões e inspirar leituras de poemas em cada silêncio propositado.
Migalhas é pão, em cada pesquisa, um acrescento mais. “Camões não afirma a sua naturalidade”, há quem lhe dê berço em Coimbra, Lisboa e Porto. “Limitei-me a juntar tudo o que encontrei e o mais provável é que tenha nascido no Porto. Há uma carta e uma quadra poética em que Camões diz que é do Porto”.
Terá estudado em Coimbra, sem estar inscrito, assistia às aulas. Aos 20 anos foi para Lisboa, onde vendeu os seus escritos, escrevendo poemas para pretendentes sem dotes criativos, mas com vontade de aproximar um coração desejado. O Poeta frequentava salões da fidalguia, ter-se-á envolvido com uma dama e armado confusão suficiente para passar um tempo atrás das grades. Aliás, envolveu-se em brigas e diversas vezes foi preso, mas também uma sátira poética que publicou o levou à cadeia em Goa. Camões teria tanto de poeta como de boémio, como marinheiro, uma mulher em cada porto. Perdeu um olho em Ceuta e viveu na Índia, ilha de Moçambique e Macau. Passou 16 anos da sua vida no Oriente. Naufragou e salvou Os Lusíadas numa jangada, estamos a falar de imensas folhas de um grosso papel com letras desenhadas à mão. É lírico pensar num molhito agarrado numa mão com a outra a remar o corpo. Terá siado publicado pela primeira vez em 1572, em Lisboa.
“Fortuna, Caso, Tempo e Sorte”, é uma obra de estremecimento, não é um romance, é um livro em corpo, em voz e em olhar, mais longe que uma só realidade. Para Isabel Rio Novo, não restam dúvidas que acabará por aparecer obra inédita de Luís de Camões, o maior poeta, que tal como os incompreendidos terá morrido na miséria, mas não deixará nunca de enriquecer o nosso desassossego.