Voz da Póvoa
 
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As Transparências de Deus

As Transparências de Deus

Cultura | 22 Outubro 2019

Executa altares, púlpitos, pias baptismais, tabernáculos em cerâmica e em bronze, pinturas, esculturas e decoração de espaços sagrados. Dina Maria Malhó Figueiredo nasceu em 1964, em Juncal, Porto de Mós. É licenciada em Pintura pela Escola de Belas Artes da Universidade do Porto. De 1991 a 2014, fez parte da equipa internacional do Centro Ave Arte, de Loppiano, Itália, onde trabalhou, particularmente, na área dos vitrais. Actualmente desenvolve a sua actividade artística em Portugal, mas continua a colaborar com o Centro Ave Arte. Inspirados no Salmo 150, concebeu os vitrais da capela do Santuário da Senhora da Saúde, elaborados na Galeria de Arte ‘Tocchi di Colore’, em Itália.

A Voz da Póvoa – Vitral é luz, luz é divindade. Como fundiu as duas iluminações?

Dina Figueiredo – Procurei, através da luz, poder ser eu a expressão desta divindade. Nas coisas mais pequenas da minha passagem pelo mundo, não só procuro meter luz na minha vida, mas também o que encontrei aqui em Laúndos, na igreja da Senhora da Saúde. Muito rica, muito viva, uma fé que se transforma em obras. E se não forem como um címbalo que não toque, as obras permanecem.

AVP – Os instrumentos representados nos vitrais falam de música colorida?

DF – Penso que sim. A cor eleva, da mesma forma que a música e o som elevam. Eleva a alma a uma dimensão que não é aquela de todos os dias e de todos os momentos. Por isso, tentei conjugar as duas coisas numa forma de meditação.

AVP – Há um lado da espiritualidade na peregrinação à Senhora da Saúde?

DF – Sente-se que é uma igreja viva e uma igreja que louva Deus, que louva sobretudo uma mãe. Por isso é que eu quis deixar no vitral frontal este manto azul e este monte verde, para convidar o povo para a espiritualidade. Como aqui o povo participa de uma forma contínua, foi um procurar entre a fé em Deus e um povo de fé.

AVP – Porquê o vitral como escolha de um caminhar pela arte?

DF – Num certo momento da minha vida, embati numa espiritualidade muito forte e senti que Deus me chamava para poder dar o meu pequeno contributo a este serviço. Poder expressar aquele talento que Deus me tinha dado, que era a arte ao serviço dele. E achei que os vitrais eram aquilo que eu melhor exprimia. Sempre amei a cor. Eu nasci na aldeia e lembro, desde muito pequena, quando lavravam as terras. Os trechos de luz, o calor da terra, eu via naquilo brilho, o brilho da terra, sempre que era lavrada pelo tractor ou pela força do homem. Através do vitral consegui desse brilho expressar as portas do pôr-do-sol que temos no oceano. A entrega ao vitral, que é rico de luz e se exprime na cor e variação da luz do dia, sempre me fascinou.

AVP – A Itália continua a influenciar o trabalho da Dina portuguesa?

DF – Tive a honra de morar em Itália muitos anos e trabalhar no Centro Ave Arte, onde laboramos para a restruturação e projecção de igrejas. Poder trabalhar junto com arquitectos, escultores, sendo eu pintora, é uma energia muito grande. Não é normal encontrar as artes a dialogar com esta sinergia. Trabalhar em Itália foi uma riqueza contínua que formou a minha viagem para o sacro.  

AVP – Há grandes diferenças entre o vitral de hoje e do passado?

DF – Existe a contínua contradição com cores mais grisalhas, com a pintura. Por motivo da luz, eu prefiro usar vidro soprado, que tem um brilho e uma riqueza de transparência e de luminosidade muito particular. Penso que exprime o nosso tempo. Estamos numa era onde a luz, o vidro, está presente em todas as nossas arquitecturas. Por isso, também aqui neste santuário da Senhora da Saúde, não ter medo de meter o moderno, para mim, foi uma tentação conseguida. Foi entrar o moderno numa tradição, no antigo, num estilo, mas com a linguagem de hoje. É importante poder exprimir o nosso tempo, a nossa época e não viver de rendimentos do passado. Sem dúvida a tradição é fundamental e importantíssima, mas o presente também e nós somos chamados a dar ao presente o sinal dos nossos tempos.  

AVP – Onde encontrar a Dina para além do santuário da Senhora da Saúde?

DF – Em Portugal, em Elvas e na igreja de São Francisco, em Évora, que é património da Unesco. Também integro a equipa que está a projectar o Santuário da Beata Alexandrina de Balasar, onde, se Deus quiser, haverá vitrais concebidos por mim. Tenho também muitos vitrais em Itália, Panamá, Coreia, entre muitos lugares do mundo. Uma graça de Deus que pretendo continuar a expressar.

 

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