Voz da Póvoa
 
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Animar as Formas do Teatro

Animar as Formas do Teatro

Cultura | 18 Outubro 2019

Marcelo Lafontana nasceu no primeiro dia do ano de 1967, em São Paulo, no Brasil, e reside actualmente em Vila do Conde. É Licenciado em Teatro, Educação Artística e Artes Cénicas, e Mestrado em Actor e Marionetas, pela Universidade de Évora. Primeiro tornou-se gente, depois actor, marionetista, encenador e professor de teatro, especializado nas áreas do Teatro/Educação e Teatro de Formas Animadas. É director artístico da Companhia Lafontana – Formas Animadas. ‘Prometeu’, ‘Payassu’, ‘Peregrinação’, ‘Um Porto para o Mundo’ ou ‘O Triunfo da Palavra’, são discursos artísticos de um passado muito presente.

A Voz da Póvoa – Esta é uma companhia mutante ou ainda respira tradição?

Marcelo Lafontana – O nosso projecto artístico e estratégico é muito coerente. Temos por filosofia trabalhar o teatro de formas animadas. Todo esse universo que está ligado com a máscara, a marioneta, o teatro de sombras com imagem manipulada, com formas que se aproximam muito do teatro mais tradicional, mas que passaram também a utilizar recursos técnicos específicos. Em termos artísticos, procuramos investigar formas tradicionais e explorar a riqueza das tradições.

AVP – As diversas criações tradicionais convivem bem com o uso da tecnologia?

ML – Partir das formas tradicionais e usar os meios tecnológicos, de forma a usufruir dos meios multimédia e dos sistemas electrónicos, é mais uma ferramenta que apareceu e que não é incompatível com a tradição. A tradição e a modernidade não são coisas estanques. A modernidade mantém a tradição e a tradição alimenta a modernidade. A nossa companhia tem trilhado esse caminho e, com o apoio mais continuado da Direcção-Geral das Artes, temos tido capacidade de investimento em equipamentos, em novos materiais, em experimentação. Desta forma, vamos construindo o reportório de sete espectáculos que estão a girar pelo nosso universo de clientes.

AVP – Um Porto para o Mundo é particularmente uma mestiçagem?

ML – Tínhamos um défice local com o púbico da nossa cidade, que nos acolhe e de alguma forma sustenta o nosso trabalho. Por isso criamos um projecto social, que pudesse divulgar o nome da Companhia, mas que também pudesse ser pedagógico no que respeita ao teatro e à utilização da arte como factor de desenvolvimento social. No projecto ‘Um Porto para o Mundo’, sendo a parte mais visível o espectáculo de rua, na verdade é um projecto que visa a classificação do património imaterial da construção de barcos em madeira, pela Unesco, um dos ex-líbris de Vila do Conde. É um espectáculo que mobiliza muita gente, mas também muitos recursos materiais e logísticos.

AVP – Qual é a novidade de momento da Companhia Lafontana?

ML – Vamos apresentar na sede, no nosso pequeno auditório, nos dois últimos fins-de-semana de Outubro, o espectáculo ‘Discursos – O Triunfo da Palavra’. Trata-se de uma co-produção com o Museu da Marioneta de Lisboa. Quisemos abordar os discursos do século XX, quando a palavra viva adquire uma dimensão nunca antes vista. A palavra passa a ser ouvida por muita gente, a ser divulgada pela rádio e a viver junto com a propaganda. O espectáculo começa no final do século XIX, com o discurso do Engels no funeral do Marx. Segue depois com discursos políticos de Mussolini, Hitler, Churchill, General George Patton, e termina com o discurso de Fidel Castro já no século XXI.

AVP – A verdade a representar é de como a mentira política passou pelos séculos?

ML – Apresentamos este ciclo de personagens de uma forma anti-heroica, nenhum deles é exaltado. Todos pela via da publicidade e do ridículo são colocados em causa e o que está em discussão não é esta ou aquela ideologia, mas a palavra que é usada para a direita ou esquerda. A propaganda que inaugura o século XX adquire no século XXI um requinte cirúrgico, direitinho ao indivíduo, ao email, ao telemóvel, vai directamente ter contigo. Vivemos numa época em que a verdade é cada vez mais relativa, cada vez colocamos mais em causa.

AVP – A intenção do espectáculo passa também por abrir os olhos ao futuro?

ML – Os nossos espectáculos têm sempre uma preocupação política-histórica, literária, de tentar abrir os olhos das pessoas para que elas ponham em causa essas verdades impostas. A mentira é muito mais antiga do que o diz que disse do Facebook. Hoje temos a facilidade de desmontar a mentira rapidamente, o que não acontecia no passado. Os discursos deste espectáculo são uma tentativa de colocar em causa o herói e o anti-herói, o herói e o vilão. Os papéis absolutos que a história quer dar. As personagens dependem sempre de quem ganha, de quem perde, de quem escreve.

AVP – Pensar o mundo é o mesmo que dizer que os feitos são mestiços?

ML – Saí do Brasil há 30 anos. Tinha já uma sensação do mundo miscigenado e não só pelo meu pai catalão, pela minha mãe um bocado italiana, pela minha família. Tinha vizinhos libaneses, japoneses, amigos negros de origem africana. Em Portugal, perdendo muitas destas referências e ganhando outras, não me sinto mais português, sinto-me mais mundial. Cada vez me parece mais aborrecido as fronteiras ou as bandeiras. Esta coisa nacionalista não me diz nada. Respeitar, integrar, identificar, reconhecer as diferenças entre as culturas é fundamental e isso não passa por fronteiras. As ideias é que são mestiças.

 

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