Voz da Póvoa
 
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Ainda na minha rua, a misteriosa vivenda “Vista Alegre”

Ainda na minha rua, a misteriosa vivenda “Vista Alegre”

Cultura | 12 Fevereiro 2024

 

A Vivenda Vista Alegre ficava situada no lado nascente da minha rua mesmo em frente ao entroncamento com a rua Serpa Pinto que ainda hoje desce até a praia.

O mar que ao longe se deixava ver valeu-lhe o nome “Vivenda Vista Alegre” em painel de azulejo, cravado na fachada.

Moradia ao gosto brasileiro, de rés-do-chão e andar, foi mandada construir por um torna-viagem natural da freguesia de Pico de Regalados, concelho de Vila Verde, que reunira avultada fortuna por terras de Veracruz.

Porque sofria de impiedoso reumatismo o médico recomendou “banhos quentes” de água do mar - aquilo a que hoje chamamos talassoterapia - num dos muitos estabelecimentos que na Póvoa prestavam esse serviço.

Contudo, passado algumas épocas balneares o “banhista”, sem se saber como nem porquê, deixou de ser visto na casa onde entretanto crescera um arvoredo tão denso quanto os mistérios que encerrava.

Despertando a maior das curiosidades na vizinhança uma jovem e discretíssima senhora passou a habitar na “Vista Alegre”a título permanente. 

Para se abrigar dos olhares indiscretos mantinha as portadas das janelas quase sempre fechadas. Raramente era avistada para além de fugazes descidas ao jardim, durante a época da fruta madura, quando tentava antecipar-se às incursões dos bandos de rapazes de pés descalços que atrevidamente saltavam o muro.

Pairava sobre a casa uma atmosfera de mistério que suscitava a maior das curiosidades e alimentava as mais variadas teorias da conspiração.

Entre a vizinhança havia quem garantisse ser habitual a diversas horas especialmente às mais tardias, um personagem esquivo a entrar na casa com uma chave da porta. Os mais propensos a comentar a vida alheia asseveravam tratar-se de um conhecido brazonado minhoto, casado e pai de filhos.

Por trás daquelas paredes escondiam-se segredos e histórias numa mistura intrigante de mistério, romance e até mesmo uma condenação canónica. Em tempos idos um antepassado do alegado frequentador havia adquirido propriedades confiscadas às ordens religiosas expulsas de Portugal. A igreja católica, conhecida pela sua severidade em questões patrimoniais, não demorou a decretar a excomunhão eclesiástica até à sexta geração de descendentes do adquirentes.

Fontes bem informadas afirmavam que o nosso visitante a desoras da vivenda “Vista Alegre” estava ainda abrangido pela proscrição. 

Em face disso terá assumido que estando já condenado ao fogo eterno no outro mundo mais valia aproveitar, enquanto vivo, os prazeres deste. Para tanto a “Vista Alegre” constituia o refúgio perfeito para os desfrutar.

João Sousa Lima

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