Voz da Póvoa
 
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Ainda há ‘Tipos’ na Cultura Octopus

Ainda há ‘Tipos’ na Cultura Octopus

Cultura | 27 Setembro 2023

 

Octopus - Grupo de Investigação Científica e Animação Cultural, assim se registou oficialmente a 27 de Setembro de 1978, curiosamente o ano em que nasceu o seu actual Presidente, Hugo Manuel Brito Vieira, engenheiro civil de profissão. Cinco anos depois, a 15 de Outubro de 1983, acontece a primeira sessão de cinema do Cineclube Octopus, com a exibição do filme “O Princípio da Sabedoria” do realizador António de Macedo.

Manoel de Oliveira, José Fonseca e Costa, Abi Feijó, Raquel Freire, João Garcia, Carlos Santos Pereira, Joaquim de Almeida, João Botelho, Rodrigo Areias, Manuel Graça Dias, Acácio de Almeida ou José Pedro Lopes, foram alguns dos nomes enraizados no cinema que no final das sessões do cineclube conversaram sobre o filme com os espectadores e amantes da sétima arte.

“No início, as sessões de cinema eram aos domingos de manhã. Na altura ainda existiam as salas de cinema da cidade, o Cine-Teatro Garrett, o Póvoa Cine e o cinema Santa Clara. Quando eu tinha 10 anos, o meu tio levava-me a ver filmes de coboiada, para maiores de 12 anos. Como ia com o tio, deixavam entrar. Naquela altura os cinemas tinham três sessões por dia. A partir de 1996, comecei a frequentar as sessões de cinema do cineclube Octopus e, desde 2001, passei a integrar a direcção”, recorda Hugo Vieira.

O tempo não sabe esperar, tanto deixa marcas como as apaga, e quanto mais distante se esconde, maior é a dúvida: “Octopus nasce da vontade de meia dúzia de amigos que pretendem fazer algo diferente na Póvoa de Varzim. Na altura, não havia mil e uma coisas, e era preciso dinamizar a cultura, coisa que a cidade a urbanizar-se ainda procurava. Nada de internet e outras tecnologias de hoje, mas começaram a fazer coisas, como um colóquio sobre Ovniologia, o lançamento de um foguetão ou o primeiro concurso da Rabanada Poveira. Só anos mais tarde, surgiu o cineclube”.

A juventude dos dirigentes, o seu dinamismo e a vontade de participar ou acrescentar, enriqueceram um espólio que hoje merece ser apreciado: “Os primeiros anos são muito interessantes porque encontrámos muitos cartazes feitos à mão, com arte, cartazes únicos, que não se repetiam. A transformação do cartaz foi promovida pelo Hilário Amorim. Digamos que na direcção não estava nenhum artista e foi necessário adaptar às circunstâncias. A associação vive de quem está lá. Chegámos a ter o André Chiote que era ilustrador e gostava de fazer os cartazes, uma arte a juntar-se a outra arte, que é o cinema. Se houver alguém capaz de fazer, por mim tem carta-branca, mas temos vivido com quem cá está”.

Saltando da memória do que ouviu contar, Hugo Vieira conta o que viveu: “Quando entrei, apresentávamos os filmes na sala Santa Clara, todas as quintas-feiras. Isso aconteceu durante 22 anos consecutivos. No Inverno era uma sala muito fria. Conheci pessoas que levavam uma manta de casa para se agasalharem. Depois, passámos uma fase crítica quando o Dr. Óscar nos avisou que a sala iria fechar, decorria o ano 2006. Ainda falámos com a Câmara, mas a solução passou pelo Auditório. Apesar de não ser longe do centro da cidade, tivemos uma grande quebra de espectadores. Naquele tempo, as pessoas no final dos filmes ainda se juntavam no café Amizade, a conversar e a beber uns copos, no auditório, o hábito dessa geração perdeu-se porque ali perto também não existia nada parecido com um café”.

O Presidente do cineclube reconhece que a mudança até começou bem, mas as condições de projecção não eram as melhores, “embora, as cadeiras fossem confortáveis. O tempo de permanência era para ser curto, mas acabou por ser bem longo. Foi um período difícil, com pouca gente no cinema, mas resistimos, até à crise económica de 2008. Era importante não parar porque é sempre mais difícil retomar. Havia uma placa a dizer ‘vem aí o Garrett’, mas foram 12 anos de espera”.

Depois de muitas vicissitudes acabou por reabrir o novo Garrett: “No início não estava preparado para receber cinema. O projecto estava em desuso, previa uma máquina de 35 milímetros e nesse ano tudo passou a digital. Ou seja, não nasceu com o equipamento correcto em termos de projecção de cinema. A Câmara acabou por adquirir o material necessário para projectar cinema. Estamos a falar de um Cine-Teatro. A primeira sessão naquela sala foi uma parceria com o Correntes d’Escritas. Com argumento de João Botelho, apresentámos “Os Maias” de Eça de Queiroz. Fazemos várias parcerias ao longo do ano com associações e eventos que têm projectado a cidade além-fronteiras. Vamos ter uma parceria com o FIS – Festival Internacional de Solos, com o Varazim Teatro, no festival É-Aqui-In-Ócio, Capela Marta, tentamos fazer essa metamorfose com filmes que se encaixam no pretendido. É sempre bom ter este dinamismo e ligação a outros projectos culturais”.

A nova sala, para Hugo Vieira permitiu recuperar público e acrescentar: “Quando passámos a exibir cinema no Garrett, tivemos salas impensáveis, havia fome de cinema e já só existia o cineclube na cidade a exibir. Naturalmente, as condições são muito boas, o técnico ajuda-nos bastante e temos pessoas que vêm de outras cidades, onde há também cineclube, mas dizem que temos melhores condições”.

Quem aprecia cinema quer sempre a melhor tela, o melhor som, a melhor programação: “Vou estando atento ao que vai saindo. Vejo filmes, leio as críticas, não só portuguesas, e faço a selecção. Há quem goste e outros nem tanto, uns adoram outros detestam, não há forma de agradar a todos. A discussão no final em torno dos filmes também é importante. Olhos diferentes não vêem coisas iguais. Como sou eu que escolho fico sempre na expectativa, não olho só com os meus, mas também com os olhos dos espectadores. Quero sempre trazer os melhores filmes e por vezes o problema não é os que exibimos, mas os que ficam por mostrar. A dúvida permanecerá sempre, mas nós ao longo da vida vamos criando os nossos autores, realizadores. Sabemos que há as tribos do Woody Allen, do Martin Scorsese ou do Federico Fellini, e depois as tribos dos filmes promovidos em televisão, como foi o caso do muito premiado filme português ‘Mal Viver’ de João Canijo, tivemos mais de uma centena de pessoas na sala, e o ‘Viver Mal’ também teve uma boa assistência”.

Cinema ao ar livre, “na Póvoa é sempre um risco, devido às nortadas, mas já o fizemos. O Hilário fez questão de exibir no jardim da casa do Manuel Lopes, um belo lugar, embora pequeno porque a tela tem que estar a uma certa distância, mas cabem sempre 40 ou 50 pessoas. É um espaço central e muito interessante. No ano passado, perdemos o Hilário, uma pessoa que me ajudava imenso e nos faz tanta falta. O Hilário que tinha produzido um festival (ViMus), era quem conversava com os convidados pelo Octopus. Ele preparava as coisas muito bem e as conversas com realizadores ou directores de fotografia fluíam às mil. Não é só por isso que o Hilário nos faz falta, mas também pelo amigo que era. Eu não tenho jeito para apresentar seja quem for. Também exibimos na Fortaleza e uma vez em Rates, na praça dos Forais, a convite da Escola daquela Vila. Temos um projector e uma tela que adquirimos há uns anos, e um sistema de som que nos permite levar o cinema para fora da cidade e da sala. Já pensámos exibir no jardim por trás da Biblioteca Municipal, um espaço enorme em que todos podem ver, até sentados na relva. Pretendemos um dia exibir também cinema nas freguesias”.

O aniversário é a 27, mas será festejado a 28 de Setembro, quinta-feira, no Cine-Teatro Garrett. “Vamos ter um filme concerto com a pianista Joana Rolo a musicar o filme de 1920 ‘O Gabinete do Dr. Caligari’. Pretendemos com esta escolha, fazer uma homenagem ao Hilário que em 2018 fez um ciclo de cinema de terror a preto e branco. Ele gostava do género, um terror mais psicológico do que carnal. O filme que vamos exibir, foi considerado o primeiro filme de terror, mas ninguém vai ficar assustado. Nos 40 anos do cineclube, vamos exibir um filme de Kleber Mendonça ‘Retratos Fantasmas’. É sobre o espírito cinéfilo, mas venha ver para ter a certeza”.

Octopus tem o apoio institucional do ICA – Instituto do Cinema e do Audiovisual, do Ministério da Cultura e da Câmara Municipal.

Por: José Peixoto

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