“Respeitável público, sejam bem-vindos ao maior espetáculo da Terra!”
Ah, quem não sonhou um dia em ser um artista circense?
Cruzar o mundo por terras e mares, conhecer gentes, plantar magia…
Quem não acreditou piamente que essas prendas e peões viviam em um universo fantástico, regados a rebuçados e purpurina?
Que andavam eles sempre em festa, libertos de qualquer responsabilidade ou rotina, ao sabor das vagas e dos ventos, preteridos pela dor e pela morte, contemplados com a juventude eterna?
Da arquibancada eu assistia, boquiaberta, a cortina a subir e rechear meu estômago com centenas de borboletas.
O coração quase que batia ao mesmo ritmo da música e meus olhos se iluminavam de contentamento.
No picadeiro uma dezena ou mais de artistas talentosíssimos divertiam e maravilhavam a plateia, faziam qualquer vivente pedir aos deuses que congelassem o tempo em nome de mais alguns minutos de espetáculo.
Enquanto exímios acrobatas arrancavam nossas preces ao desafiar a morte, o domador de leões arrancava os louvores dos presentes ao testar a coragem de ser humano.
Ria-me perdidamente dos palhaços e das suas quedas, sustos e piadas. Da maquiagem exagerada que traziam sobre a face, a ignorar completamente que ela era, muitas vezes, a mortalha das suas próprias amarguras.
Quantas vezes me imaginei a partir com o circo, sem saber que a Incerteza era o destino das tendas recolhidas até o próximo paradeiro.
Apenas na idade adulta percebi que o Presente é o picadeiro onde somos, ora o palhaço, ora o domador. Onde realizamos as mais fabulosas acrobacias para resolver problemas, onde a magia está dentro de nós mesmos e é capaz de plantar flores ou consumir tesouros.
Percebi que o público que se ri da queda do palhaço é o mesmo que sustém a respiração quando o trapezista se lança ao ar sem redes de protecção.
E, afinal, descobri o que toda a gente tem em comum, independentemente de raça, credo ou posição social: o medo.
É a batalha contra o Medo que impele a humanidade a enveredar pelos caminhos do fantástico, a superar limites, derrubar barreiras, reinventar-se.
Para suportar as agruras do caminho, para atenuar as dores e a solidão.
Então cobrimos o nosso picadeiro com coloridas tendas, vestimos a fantasia, iluminamos a nossa história, cuidadosamente, de modo a ocultar nas sombras a pior parte…
Depois reunimos a plateia para o maior e mais belo espetáculo da Terra: a nossa própria vida!
Texto: Maria Beck Pombo / Fotografia: Rui Sousa