Fruto da vontade de um grupo de ilustres poveiros, nasceu a 1 de Janeiro de 1870 o primeiro periódico poveiro - a "Gazeta da Póvoa de Varzim" - jornal noticioso editado e dirigido pelo romancista Manuel Pereira Lobato, jornalista experimentado que aceitou o convite para dirigir o primeiro jornal da terra. Seguiram-se muitos outros, cerca de duas centenas de títulos guarda a Biblioteca Municipal Rocha Peixoto. Quisemos saber um pouco mais e fomos conversar com a directora, Lurdes Adriano.
“A Biblioteca conserva uma das colecções mais antigas e mais completas de periódicos locais. O primeiro que se conhece é de 1870, a ‘Gazeta da Póvoa de Varzim’. Embora, não possua o nº 1, foi graças aos números existentes na Biblioteca Nacional que conseguimos completar a nossa colecção”.
Como é que este interessante espólio chegou até nós? “Por várias formas. Ou porque já pertenciam à biblioteca ou graças a múltiplas doações que tem recebido, nomeadamente do Dr. Jorge Barbosa, que foi fundamental. Os responsáveis do jornal ‘O Comércio da Póvoa de Varzim’ ofereceram praticamente a colecção, e nós temos também completado as colecções desde essa altura”.
Como é que é feita a conservação destes velhos periódicos? “A limpeza e o bom acondicionamento são fundamentais, depois, uma coisa muito importante foi a digitalização e microfilme desta colecção porque permitiu que se poupasse os documentos originais. Ou seja, a mudança para suporte digital fez com que a documentação original fosse preservada do manuseamento constante, contudo a biblioteca não deixou de usar a possibilidade de consulta a quem os requisita. Esta colecção no seu todo é um manancial importantíssimo de referências para a história local. Aliás, o investigador que se preze vai sempre consultar esta colecção porque continua a oferecer-nos muitos dados sobre a história e tradições locais, ou de quem nos visitou. Por exemplo, a propósito dos 200 anos de nascimento de Camilo Castelo Branco, as imensas referências que existem na imprensa local da passagem do escritor pelas praias da Póvoa, a frequência dele nos cafés locais e, naturalmente, no jogo de azar no café Chinês. Há um trabalho feito por Manuel Lopes sobre o Camilo e os jogos de azar, e a sua frequência no Café Chinês”.
A colecção dos periódicos poveiros e a sua antiguidade também se reflecte no número de tipografias que existiam nesse tempo: “A Póvoa sempre foi importante nessa matéria. O número de casas tipográficas que existiam estava associado ao número de periódicos que foram surgindo. Muitas vezes, os proprietários dessas tipografias também acumulavam a função de director do jornal. Essa ligação é muito interessante, entre outros, aconteceu com o Comércio da Póvoa. O Baptista de Lima fundador da tipografia Camões, graças à casa tipográfica, foi sempre alimentando um número importante de publicações que foi criando praticamente até à sua morte”.
A Póvoa é uma referência nacional ao nível de publicação de jornais e da sua especificidade: “Há particularidades na imprensa que se sente aqui na Póvoa. Houve jornais que surgiam apenas na época de veraneio, eram alimentados pelas histórias de quem vinha a banhos. Isso também já deu origem a trabalhos académicos importantíssimos através dos registos de imprensa muito específica, a imprensa de veraneio. Conseguimos saber quem vinha, o que frequentava, o que fazia, a forma como se apropriava e o que faziam na Póvoa, que apetite cultural é que tinham, que cafés frequentavam, hotéis, em poucos números foi possível fazer um mapeamento até de equipamentos culturais e turísticos da Póvoa dessa época. Para além da imprensa de veraneio, a imprensa desportiva, a imprensa das associações, a imprensa paroquial e também das freguesias foi muitíssimo importante. Destaco o jornal ‘Sol’ de Beiriz, que o padre Manuel Amorim alimentou e dirigiu. Nesses jornais locais havia a publicação de temáticas importantes. Não era por ser de carácter eminentemente local que os assuntos eram tratados dessa forma. O padre Manuel Amorim e o Dr. Jorge Barbosa colaboraram também nessas publicações. No fundo, aquilo a que se assiste na Póvoa centro, acabou por se reflectir em todo o concelho”.
Guardar Memórias Reflecte-se na Procura de Curiosos e Estudiosos
“São vários os tipos de pessoas que nos procuram para consultar a imprensa local. Desde logo, os académicos que a utilizam como ponto de partida para os seus trabalhos de investigação e pesquisas. A imprensa local é um manancial de informações que depois nos conduzem para outros caminhos de investigação. Temos pessoas que vêm cá atrás de uma notícia, uma referência publicada em determinado jornal. Outros pedidos que nos fazem muitas vezes é sobre o que aconteceu no dia de nascimento do pai, da mãe do avô, etc. Isso acaba por ser tradição em determinadas famílias porque continua a acontecer. Mesmo hoje em dia, acontece as pessoas comprarem o jornal da data de nascimento dos filhos. A relação da imprensa local, os factos que aconteceram naquele dia continuam a ser importantes para a história das famílias”.
Os jornais até determinada altura foram o suporte de divulgação de muitos dos trabalhos históricos locais: “Era difícil fazer livros, os custos e a sua feitura não eram acessíveis a qualquer pessoa e mesmo os investigadores locais usavam a imprensa para divulgar os seus estudos, os seus trabalhos. Era em formato folhetim. O padre Manuel Amorim e o Dr. Jorge Barbosa publicaram nos jornais muitos dos seus estudos históricos, depois, mais tarde, alguns deles passaram para livro”.
A Biblioteca Popular Camões foi fundada em 1880 e rebaptizada em 1966 Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, hoje, o seu acervo atinge números consideráveis: “Já ultrapassámos os 180 mil exemplares dentro da biblioteca, isto sem contabilizar a biblioteca pessoal do Manuel Lopes, que guarda cerca de 18 mil volumes. Se falarmos no arquivo que o Manuel Lopes criou e que continuamos ainda hoje a alimentar, o arquivo de imprensa, de recortes, aquilo que chamamos centro de documentação, são cerca de 200 mil documentos de toda a espécie. O Manuel Lopes foi um fervoroso documentalista, recolhia tudo o que tinha a ver com a história da Póvoa, e que nós fazemos questão de continuar a alimentar. Desde aquela imprensa efémera, dos folhetins, a todo o material de divulgação, tudo o que possa lembrar, faz referência à Póvoa, desde que nos chegue às mãos, nós guardamos. Nem sempre é fácil, também temos que andar atrás da informação que vai saindo. Hoje, com a vantagem das redes sociais, daquilo que é criado em ambiente digital, mas que importa também preservar para a história local. E porque percebemos que aquilo que é criado em ambiente digital - as redes sociais estão inundadas de fotografias antigas, panfletos que as pessoas guardavam em casa e que agora fazem questão de divulgar na sua página - a Biblioteca também anda atrás dessa informação que importa preservar para a história local. O Dr. Gustavo Graça foi divulgando a sua enorme colecção de postais da Póvoa, única e riquíssima, um manancial de informação que era importante nós irmos recolhendo”.
A Biblioteca acaba por estar ligada a edições como o ‘Boletim Cultural’, a colecção ‘na Linha do Horizonte’ e agora o lançamento recente dos ‘Espólios’. Como surgiu a ideia de mais esta colecção e qual é o seu objectivo? “A Biblioteca Municipal para além desta riquíssima colecção de imprensa, quando digo imprensa, refiro-me a jornais e revistas, e aqui o ‘Póvoa de Varzim Boletim Cultural’ é um desses exemplos, conserva também inúmeras bibliotecas e espólios particulares que vão sendo oferecidos, mas também adquiridos pela Câmara Municipal. Entendemos que já é tempo de dar a conhecer toda essa documentação que foi sendo tratada, sistematizada e conservada pela biblioteca, mas só faz sentido se for dada a conhecer à comunidade. Prepararmos a documentação para que outros venham conhecer, trabalhar sobre ela para que depois possam produzir outros materiais, nomeadamente, livros sobre a história local. Entendemos que era hora de começar a divulgar o conteúdo desses espólios. Graças à colaboração da engenheira Emília Faria, neta de Manuel Agonia Frasco, conseguimos organizar este catálogo, esperemos que seja o primeiro de uma colecção que dá a conhecer aquilo que constitui este espólio de Manuel Agonia Frasco enquanto director do Comércio da Póvoa de Varzim. Este catálogo não é sobre o espólio do Comércio, mas é um período específico. O que fizemos foi sistematizar a informação e dar a conhecer à comunidade aquilo que os espólios encerram”.
A criação desta colecção é mais um passo na divulgação do riquíssimo acervo que podemos encontrar na casa mãe dos livros? “A Biblioteca não é só jornais e revistas, esta parte é muito importante porque vem divulgar e completar a nossa colecção. Se hoje a biblioteca tem uma colecção riquíssima também é graças a esses espólios. Temos uma biblioteca especializada em arte, mas também em temas locais, do Dr. Flávio Gonçalves, assim como o seu espólio que é uma base de trabalho importantíssima. Flávio Gonçalves foi director do Boletim Cultural e portanto o espólio dele também reflecte todos esses interesses e trabalhos na área da história local. Temos as bibliotecas do padre Manuel Amorim, Luísa Dacosta, Alexandre Pinheiro Torres, Campos Matos ou de Luís Sousa Rebelo, que é uma referência, também política. Ainda recentemente o poeta Hélder Macedo, que conferenciou no Correntes d’Escritas ficou maravilhado com o que viu e prometeu voltar para pesquisar”.
E conclui: “No fundo, é um complemento e uma vertente patrimonial que não é normal em bibliotecas públicas, mas que graças a todo este trabalho que iniciou em 1880, não esquecendo o Rocha Peixoto que não só deu o nome a esta biblioteca como os seus livros e papeis. É nossa obrigação dar continuidade a essa vertente patrimonial que a Biblioteca Municipal sempre teve”.
Por: José Peixoto
Fotos: Rui Sousa