Nascer é sempre um momento feliz. Depois, há sempre uma razão primeira. O dia do Pai, 19 de Março de 1951 é a data que celebra o nascimento do coro Capela Marta, fundado por António José Gomes Júnior “Marta”. As vozes são todas masculinas. O vasto repertório é sacro e profano, mas nunca esquece a obra do seu fundador. Apresenta-se “a cappella” ou acompanhado por músicos que se fundem no instrumento. A sua grandeza mereceu a atribuição da Medalha de Reconhecimento Poveiro, Grau Ouro. A homenagem da autarquia deveria ter acontecido no Dia da Cidade, que se comemora a 16 de Junho, mas devido à pandemia aconteceu o inevitável adiamento para 2021.
“Quando fizemos a apresentação do CD / Livro do Capela Marta, no Diana Bar, e o Presidente da Câmara, Aires Pereira anuncia a Medalha de Reconhecimento Poveiro, Grau Ouro, as minhas pernas tremeram. Fiquei comovido porque coincidia com os 50 anos que tenho de Capela Marta. Foi uma alegria, que nos traz mais responsabilidade. Penso que é uma homenagem merecidíssima aos 70 anos de história do grupo coral. Por isso é extensível a todos os elementos que passaram pelo Capela Marta. Naturalmente, temos que reconhecer que o trabalho dos últimos anos tem um papel importante nesta atribuição, que nos orgulha a todos e à Póvoa de Varzim”, reconhece João Manuel Barbosa Magalhães, que assumiu a presidência em 2018, da Associação Capela Marta.
Nasceu em Braga, em 1956 e, com 5 anos veio viver para a Póvoa de Varzim, onde aprendeu o alfabeto e fez o Curso Complementar de Contabilidade e Administração. Conheceu outras empresas, mas foi na Tranquilidade, na área financeira da seguradora, que trabalhou mais de 30 anos, até se aposentar.
A sua entrada no coro Capela Marta aconteceu aos 14 anos: “O primeiro a entrar foi o meu irmão Abel, que dois meses depois estendeu o convite a mim e ao Joaquim. Na altura andava nos escuteiros de S. José. Apesar de ser um adolescente tive que decidir entre os escuteiros e o coro Capela Marta, porque não podia tocar duas guitarras ao mesmo tempo. Entrei numa altura em que o coro tinha sofrido alguns abandonos resultantes de um passeio a Espanha, onde os elementos casados levaram as esposas e não correu bem. Isso, obrigou o senhor Antoninho a solicitar aos resistentes para convidarem gente nova. Recordo um serviço, na Semana Santa, com apenas sete coralistas. Depois, o Antoninho Marta, um homem inteligente, teve a larga visão de convidar os antigos elementos para cantarem a missa de aniversário, dos 25 anos, do coro Capela Marta. O convite mexeu com alguns deles que, regressaram e o grupo voltou a ganhar força, por muitos anos”.
João Magalhães conheceu todos os maestros que passaram pelo Capela Marta: “A memória que guardo do Antoninho Marta é para a vida. Era como um pai para todos nós. Era um exímio tocador de órgão. A surdez não ajudava, usava aparelho auditivo, mas na sua sabedoria conseguia ler as vozes afinadas. Creio que, cantar bem sempre o fizemos, com o Antoninho ou o Francisco Cunha, mas faltava a técnica para nos dar segurança e projecção na voz. Isso só aconteceu com o maestro Tiago Pereira. Desconhecia que tivéssemos na Póvoa um jovem com tanto valor. Ele teve o cuidado e a sensibilidade de estudar as partituras e pôr o coro a cantar como o Antoninho o escreveu. Honestamente, o Tiago conseguiu colocar o Capela Marta a cantar a um nível de qualidade nunca antes atingido. Agora temos um sonho concretizado com a gravação de um CD, onde podemos ouvir e apreciar aquilo que cantamos”.
Foram muitos os palcos percorrido um pouco por todo o pais e pela vizinha Espanha, mas a experiência vivida em 2016 a cantar em todas as igrejas das freguesias poveiras foi das partilhas mais prazerosas: “Deu-nos um gozo enorme. Somos amadores e não temos uma máquina a trabalhar para nós. A distribuição dos cartazes a promover os concertos era feita por elementos do coro, que se deslocavam às freguesias, às lojas e cafés, onde falávamos com as pessoas sobre o pretendido. Foi uma experiência humana muito enriquecedora. Levar às freguesias a música coral e ser recebidos com igrejas sempre cheias foi extraordinário”.
Este seria o VIII Encontro de Música Coral da Póvoa de Varzim, mas uma pandemia antecipou-se e silenciou o desejo: “Não só tivemos de cancelar o Encontro, como o extenso plano de actividades. Somos uma instituição responsável e entendemos que devemos ser parte da solução e não do problema. Quando cantamos há partículas que saem da nossa boca a mais de cem quilómetros por hora, ou seja, um potencial veículo de transmissão e contágio do vírus. Alguns elementos têm uma idade avançada e outros com problemas de saúde que não ajuda. Podemos sempre fazer exercícios de voz, mas não se consegue fazer o que gostamos. Temos muitas saudades dos ensaios e da actividade que nos levava ao palco, mas não sabemos quando vai ser possível”.
E recorda: “o encontro de coros foi um desafio lançado pelo Tiago Pereira e como não somos de virar a cara, assumimos o risco e organizamos. Talvez seja esse o grande segredo da longevidade do coro Capela Marta, para além da amizade que nos une é também o gosto pela música coral. Pensar um encontro, numa altura do ano (Novembro/Dezembro) em que a cultura está muito parada e sem ter nenhuma experiência organizativa, era um verdadeiro desafio. Soubemos crescer e hoje o encontro de coros é reconhecido como um dos maiores eventos desta natureza no país. A ideia era partilhar, aprender uns com os outros e dar a possibilidade à Povoa de ouvir outras vozes. Durante um mês manter uma qualidade superior não é fácil, mas penso que conseguimos e, quem nos visita quer voltar. A imagem de marca que deixamos no primeiro evento deu frutos. O Tiago tem uma linha pensada e convida os grupos corais dentro de regras que ele domina. Se no início tivemos alguma dificuldade em convidar alguns coros, agora temos muito por onde escolher. O Encontro de Música Coral traz cerca de 800 coralistas e ainda os respectivos acompanhantes. Temos as igrejas sempre lotadas. A qualidade do evento é assumida também por quem participa. Todos querem fazer boa figura. Até os coros locais, das igrejas, trabalham mais, apresentam-se com melhor indumentária e têm cada vez melhor nível. Infelizmente, para grande tristeza nossa e de todos os grupos convidados, tivemos que cancelar o encontro deste ano”.
O presidente é também coralista, nada que João Magalhães não saiba assumir: “Enquanto gestor do coro Capela Marta trabalho como tal, enquanto cantor sou exactamente igual aos outros e quem manda é o maestro. Tem que haver este equilíbrio de papéis, porque aqui somos uma família. Não somos um grupo jovem, mas todos temos espírito novo. Fazia pouco sentido que os elementos da direcção não fizessem parte do coro que, é a alma da associação Capela Marta”.
por: José Peixoto