Vós sabeis o que é um petiço?
Passo a explicar-vos: petiço é um cavalo baixote, que não chega a ser anão, mas também não tem a estatura de um cavalo comum.
Assim era uma égua que eu tinha quando guria, atendia pelo nome de Xuxa e tinha um mau génio que ultrapassava a passos largos a sua pequena altura.
Redomona e veiaca barbaridade! Apenas deixava-se montar quando bem lhe apetecia deambular pelos pagos, distribuindo manotaços e mordidas “a três por quatro” quando não sentia-se disposta a servir de transporte e distração para a canalha.
Pois bem, há pelo menos três décadas atrás, passávamos as férias de verão na estância e meu pai encilhou a Xuxa para que eu e minha irmã cavalgássemos pelo campo.
Era uma tarde mormacenta e a petiça não nos parecia lá muito animada com a empreitada, posto que tentou por duas ou três vezes cravar os dentes nas mãos do meu pai enquanto ele tentava por-lhe o freio.
Subimos no lombo da égua com animação equivalente a dela e a protestar forte e feio pois conhecíamos o animal como a palma da nossa mão e sabíamos que a ofensa não seria facilmente perdoada.
Nossa casa ficava no alto de uma coxilha, de onde via-se toda a extensão das nossas terras e parte das terras vizinhas e de lá partimos para a nossa singular aventura.
Não foi preciso andar mais do que cem metros para Xuxa traçar sua vingança e disparar a galope colina abaixo em direção ao rio.
Eu, apavorada, agarrada à cintura da minha irmã, ela de rédeas nas mãos a tentar amansar a égua e meu pai a correr desesperado a abanar o chapéu e a gritar:
— Puxa as rédeas, Mariana!
E ela puxava, mas nada do bicho obedecer o comando, mesmo que o freio lhe mordesse a boca.
Quando chegamos próximas a uma sanga fruto de um olho d’água que alimentava o rio, Mariana caiu e eu joguei-me de cima da égua a temer que ela cruzasse por água e tudo e, para o nosso espanto a petiça, ao invés de seguir jornada campo fora, parou de pronto e começou a pastar calmamente em torno de nós as duas, de rédeas no chão e a olhar-nos nos olhos carinhosamente como quem convidasse para um passeio.
A vida tem tanto em comum com a minha petiça Xuxa...
Não permite que se lhe encabreste, nem atende a rebencaço!
Aos trancos e barrancos ensina-nos a respeitar sua vontade e depois do tombo convida-nos ternamente a subir em sua garupa e passear por prados verdejantes e floridos pelo tempo que ela entender.
Se soubermos bem aproveitar podemos ter a mais bela de todas as viagens.
Maria Beck Pombo