Voz da Póvoa
 
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Turistando Lendas e Lugares – O Importante é relativo

Turistando Lendas e Lugares – O Importante é relativo

Opinião | 21 Junho 2022

 

Sentada no banco que ficava sob a videira, contemplava o fumo que saía do tabaco aceso e bailava alvo contra a noite escura, levando consigo seu pensamento.

Recordou dos tempos de adolescência, onde um sem fim de planos fantásticos para a vida adulta eram semente em campo fértil, plantadas com a esperança de ver florir ramalhetes multicoloridos, capazes de avivar um mundo de múltiplas possibilidades.

Ah, quão extraordinários eram os planos dela!

Sempre a avistar um futuro notável, em que marcaria a sua presença para a posteridade de forma singular. Constantemente a almejar as luzes, o palco, os confetes, os aplausos e as ovações.

A tecer projetos megalómanos e egocêntricos, típicos dos bipolares.

E foi envelhecendo sem perceber que planos não se concretizam sem ações.

Agora, ao amadurecer dos seus quarenta outonos, não podia deixar de sentir uma pontinha de frustração por tantos sonhos que se despedaçaram ao longo do caminho, por falta de rega e excesso de ansiedade.

Fitou demoradamente a ramada que se estendia acima da sua cabeça, carregada de frutos que adoçavam a boca e embeveciam deuses e homens.

Voltou a atenção ao seu redor. Contra a escuridão da noite, ponteada pela luz tênue das modestas lanternas espalhadas pelo quintal, a natureza se agigantava revelando árvores de frutos variados, flores de muitas espécies, insetos que construíam um minúsculo mundo debaixo das pedras e entre as frinchas dos azulejos que revestiam a pequena casa, que fora das maiores e mais satisfatórias conquistas de uma vida.

Todos esses elementos carregaram-na novamente para o passado, desta vez para a infância, onde devorava às dezenas os filmes da Disney, com suas princesas e príncipes encantados, que arrancavam seus suspiros diante das suas histórias de amor.

Lembrou-se, então, do seu sonho primordial, que nascera muito antes dos planos mirabolantes da adolescência ególatra:

O príncipe-encantado, o castelo e o “felizes para sempre”.

Olhando para esse retrato que se estampava em sua mente percebeu que, a seu modo, teve seu sonho mais caro realizado.

Sentiu o coração a aquecer e confortar a alma arredia que ignorava que, afinal, pouco importava se ela jamais tivesse a sua figura reproduzida no pequeno ecrã ou ovacionada em um palco. Pouco interessava se ela não publicasse um livro ou tivesse seu dom reconhecido, pois ela tinha garantido o seu castelo, o seu “feliz para sempre” e o seu príncipe-encantado, que não era propriamente um príncipe, mas um homem com dezenas de defeitos que a obrigaram a evoluir como pessoa e centenas de qualidades que a fizeram crer, como dantes, no verdadeiro amor.

E, diga-se de passagem, é muito mais difícil encontrá-lo, nesse mundo volátil e intolerante às diferenças, que ver realizado qualquer espécie de projeto utópico.

O amor genuíno, de olhar inocente e carregado de ternura e perdão que apenas as crianças, ainda não corrompidas pela brutalidade do mundo adulto, são capazes de oferecer.

Aquele que constrói pontes entre ilhas e convida os amantes a se encontrarem no meio do caminho, abdicando de tudo aquilo que pesa ao longo do trajeto, e se entregarem, mais leves, um ao outro.

O amor paciente, que ensina àquele que corre a esperar pelo que só pode andar pois, afinal de contas, o número de passos a dar é exatamente o mesmo.

Rogou aos deuses que todos os que amava tivessem a mesma sorte e deixou de lamentar por aquilo que não conseguiu alcançar pois recebera da vida o essencial e mais valioso presente.

Num universo de aparências e relações vazias, quem tem amor um amor disposto a mover montanhas e derrubar muralhas, é majestade!

Maria Beck Pombo

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